Eu sei, já tá cansado isso de falar em “fenômeno da impostora”. Mas o sentimento me pegou em cheio durante a residência artística literária de que participei em Alter do Chão (Pará) em setembro. Fui passar uns dias numa hospedagem rústica integrada à floresta, convivendo com escritoras e escritores, a convite da organização da residência. E numa das noites, antes de dormir, não me saía da cabeça um poeminha que escrevi em 2021 (poeminha claramente é coisa de quem se sente impostora demais pra chamar de poema, né?). . Sou uma farsa (vão me descobrir) Uma impostora (vão me descobrir) Uma mentira (vão me descobrir) O que estou fazendo aqui? . Os enganei Se enganaram Me enganei . Não dou conta (vão me descobrir) Dei sorte (vão me descobrir) Foi o acaso (vão me descobrir) O que tenho pra contribuir? . Melhor não fazer Melhor adiar Melhor esquecer . Não sou capaz (vão me descobrir) Não sou suficiente (vão me descobrir) Não estou pronta (vão me descobrir) Eu não merecia estar aqui. Eu não pedi pra estar lá; me chamaram (duas vezes!). Ainda assim, pensei que não estava à altura. Ninguém lá me fez pensar assim - pelo contrário, a voz carrasca era minha, essa velha conhecida. No fim das contas, ouvir a voz e responder pra ela foi uma das partes mais importantes dessa experiência. Quem era eu? Apenas o que podia ser. Só euzinha mesmo, dando meu melhor e nada além disso, pois impossível. Se eu mesma não me achasse suficiente, a batalha já estava perdida. E convenhamos, que danado de batalha é essa? Quem define os vencedores? E quem se importa? Durante a residência, a partir de uma provocação sobre palavras que nos faltam, escrevi: Busco palavras que me amoleçam Derretam minha rigidez . Líquidas, penetrem em meus poros E tomem o lugar desse pesado acúmulo De palavras tão duras . Palavras-âncora Que falam de exigência Cobrança E culpa. . A relação de causa e consequência é um tanto óbvia: quanto mais idealizar o que deveria ser, menos confortável estarei pra ser o que desejo ou posso ser. E a mesma história vale, em outra medida, pra essa newsletter, que deixei abandonada desde dezembro passado e por pouco não retomei ainda este ano. Rascunhei as palavras acima num caderno, pouco depois da residência - quando ainda não havia panetones no mercado. E quase-quase as deixei de lado, pensando que perdi o timing pra enviar a news. Mas decidi que o importante agora era pensar menos. Deixei de aparecer aqui, neste espaço importante pra mim, porque no último ano a vida me atropelou com questões delicadas que tomaram boa parte da minha atenção e energia. E também porque me impus uma régua alta demais sobre o que seria "suficientemente relevante" pra compartilhar. Foda-se. Voltei. :) Falando de escrita, saí da residência animada pra praticá-la mais. Já fiz várias oficinas literárias, mas na maior parte do tempo não mantenho a escrita criativa como um hábito na rotina. Escrevo muito todos os dias, mas quase sempre: a) a trabalho, com fins utilitários e seguindo demandas e parâmetros específicos; b) no caderno-diário em que despejo sentimentos e reflexões, sem pensar em linguagem, estilo e interlocutores reais ou imaginários. Em outubro resolvi copiar o Desafio 21 Escritos que Tayná Saez (@sutilezasatomicas) fez em agosto e foi uma delícia. Me comprometi a escrever em 21 dias do mês, e não só completei o desafio como em alguns dias escrevi mais de um texto. Claramente só consegui porque não estava preocupada com a suposta qualidade do que produzia. Os textos não seriam publicados em lugar algum (mas alguns talvez acabem aparecendo aqui), não precisavam estar “acabados”, nem tinham que se encaixar num gênero específico. Minha única intenção era a constância, desde que, diferentemente do que faço no diário, fossem exercícios criativos. Escrevi poemas, crônicas, listas, perfis de personagens e rascunhos indefinidos que talvez se transformem em algo, talvez não. A melhor parte foi colocar em prática o que sabia que estava me faltando: foco no processo, e não no resultado. Seja pra escrita, desenho, beach tennis, ukulele ou qualquer coisa que te movimente hoje: coloca um calendário na parede pra ir riscando os dias e só faz, do jeito que der pra fazer. Pra fechar este meu retorno à sua caixa de entrada, vou aproveitar o fim de ano e o papo literário pra compartilhar minhas melhores leituras de 2024. Os livros em negrito foram meus preferidos, e os com asterisco foram lidos pra o clube de leitura Dedo de Prosa, de Tayná (a mesma que mencionei acima, que também dá ótimas oficinas de escrita). Já comentei aqui que comecei a participar de clubes do livro na pandemia e recomendo fortemente; além da motivação pra ler, as conversas trazem várias outras camadas à leitura (e fizeram valer a pena até os livros que não curti). Coloca aí na listinha pro ano que vem (tem um pra cada mês, hehe) e me conta se você já leu alguns deles! Pra essa virada de ciclo, desejo muita saúde física e mental pra você e os seus. <3 E relembro os “votos pra mim mesma” que também fiz lá na residência: Na desordem natural das coisas Sou o bastante E danço. Que 2025 seja gentil e a gente também se trate com gentileza. Feshow? \o/ Curtiu esta newsletter? Compartilhe-a com alguém que pode gostar também🧡 |
terça-feira, 10 de dezembro de 2024
"Eu não merecia estar aqui"
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