Sabe aquela história que o fruto nunca cai longe da árvore? Existem famílias em que isso não é verdade. Há, sim, filhos que nascem muito longe da árvore que os originou. Esse é o tema do livro "Longe da Árvore: Pais, Filhos e a Busca da Identidade" (Companhia das Letras, 2012), de Andrew Solomon, tema da coluna do psicanalista Christian Dunker nesta semana. A tese do livro é simples e poderosa. Solomon argumenta que, em nesses casos de filhos muito diferentes dos pais, a identidade vertical, que faz pais reconhecerem seus filhos como continuação e realização de si mesmos, se vê substituída ou ponderada contra o que ele chama de identidade horizontal. Em essência, quando existe uma grande discrepância entre pais e filhos devido a uma deficiência, uma condição atípica ou uma anormalidade biológica, os filhos tendem a se identificar mais fortemente com outras pessoas que também compartilham dessa circunstância. No livro, Solomon mostra como nestes casos pais e filhos podem reconstruir aquilo que era inicialmente sentido como uma desvantagem e uma fonte de distanciamento, quando não de abandono, formando um novo tipo de ligação, repleto de interesse a autorrealização. O início do livro descreve de forma emocionante a experiência de Solomon com seus pais e sua vivência na escola na cidade de Nova York nos anos 1960. Também aborda seu processo de tentar se curar da homossexualidade, sua gradual descoberta de que não estava sozinho e a percepção de que a mesma regra implícita que envolve pecado, crime e deficiência poderia arruinar a vida de seu tio e certos professores. A conclusão do livro retrata a continuação de sua biografia, destacando os obstáculos e soluções que ele enfrentou para realizar seu desejo de se tornar pai, casar-se com outro homem e formar uma espécie de família não convencional. Isso envolveu um casal de lésbicas, a quem seu parceiro doou esperma para que pudessem ter uma filha, e que retribuíram o gesto doando um óvulo para Andrew e John. Além disso, uma amiga de Solomon também se juntou ao grupo, doando um óvulo para o segundo filho do autor. O livro exerceu uma função de cura para Solomon. Iniciado a partir de uma reportagem sobre a comunidade dos surdos, ele replica o procedimento para os participantes de um congresso para anões, para pais e filhos com Síndrome de Down, depois autismo e esquizofrenia, em seguida deficiências graves e moderadas de inteligência ou envolvendo limitações físicas congênitas e adquiridas. Depois disso temos o caso das crianças-prodígios, os filhos do estupro, os filhos de criminosos terminando com a situação de horizontalidade em transgêneros. O principal mérito do trabalho é o de mostrar como a existência de particularidades não precisa ser pensada como um universo incomunicável de mônadas cuja única razão de ser é expandir-se e digladiar-se com outras identidades, menos significativas que a sua. O desejo de ter filhos que são iguais a nós, expressão de nosso narcisismo e de nossos ideias de continuidade, não é uma carta que deve ser excluída do baralho da vida, mas ela tem que se jogada, em todos os casos, e os casos excepcionais aparentemente são apenas a exageração deste princípio, com a presença e a constituição de um desejo na diferença. Reconciliar-se, fazer a resiliência da parentalidade ofendida pela exceção, reconstituir ideais e reestabelecer laços narcísicos verticais é um trabalho importante. Mas ele não deve ser confundido com o trabalho singular requerido pela construção de laços horizontais, que curiosamente vão se demonstrando como dotados de mais força proporcional, qualitativa e quantitativamente, de ligação. As duas formas de amor podem encontrar uma relação competitiva ou aditiva. Contra a oposição entre a reconstrução das tragédias particulares e a produtividade feliz de resultados para problemas, o livro de Solomon parece advogar uma terceira atitude. Trata-se de uma "alegria mais apreciada do que aquela que não foi temperada pelo sofrimento" (pág. 812). É isso que torna o livro de Solomon urgente e obrigatório para todos os que consideram a ideia de ter filhos. **** CONFIRA TAMBÉM UOL CARROS DO FUTURO Toda quarta-feira, a newsletter UOL Carros do Futuro traz tendências e debates sobre as novas tecnologias da indústria automobilística. Nesta semana, a newsletter conta que a invasão de carros chineses está gerando um medo de espionagem na Europa. Quer se cadastrar e receber o boletim semanal? Clique aqui. |
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