Como quase todas as crianças, eu queria pintar as minhas unhas e usar maquiagem. Minha mãe era categórica em não permitir. Dizia que criança não era mulher e nem homem. Criança é criança e, portanto, não deve ficar sendo marcada pelo gênero. Eu, na minha santa ingenuidade, não entendia a sua justificativa, e se eu questionasse muito sua decisão, ela dizia: "Vai brincar!". E lá ia eu com minha bola de capotão e meu kichute jogar futebol, um tanto frustrada. Hoje, olhando essa situação, acho um pouco radical a atitude da minha mãe, mas consigo entender aonde ela queria chegar com a sua convicção. Meu irmão mais novo, por sua vez, via suas irmãs brincando de boneca e pediu uma para minha mãe. Ela foi à loja de brinquedos com ele e, quando estavam escolhendo a boneca, surgiu do nada uma voz, julgando: "Nossa, menino brincando de boneca?". Minha mãe estava prestes a se inflamar quando, rapidamente, meu irmão respondeu: "O que é que tem? Um dia eu vou ser pai". Minha mãe sorriu calada, toda orgulhosa. Ter esse pensamento nos anos 1980 era bem diferenciado. Quatro décadas depois, meu filho, ano passado, teve a professora dos sonhos, daquelas que marcam a nossa vida, não por ser trans não binária, mas pela sua competência, inteligência, acolhimento e sensibilidade. Era comum as crianças da sala corrigirem com afinco pais e mães que, por costume, trocavam o artigo feminino pelo masculino ao se referir a ela (preferência dela usarem o "a"). Quanto aprendizado essa experiência nos trouxe. Também tenho observado através dos meus amigues uma liberdade em relação a ser o que se sente, e a orientação sexual não tem nada ver com gênero. Quase consigo esperançar um mundo mais evoluído nessas questões. Em contrapartida, seguimos vendo, com frequência, meninas de rosa e meninos de azul; meninos que não deixam as meninas jogar futebol, que excluem um menino mais sensível da roda; meninas que só ganham bonecas, pôneis, unicórnios, enquanto os meninos ganham robôs, blocos de montar, pistas de carros, jogos que estimulam a inteligência; meninas sendo chamadas de "princesas" e meninos, de "campeões". E de saída, já na vida adulta, ainda vemos as mulheres ganharem salários mais baixos que os dos homens - e desempenhando a mesma função. Penso que minha mãe tinha razão: devemos olhar para as crianças como tais, e suas escolhas de brinquedo, as cores que gostam, os livros que se interessam não têm absolutamente a ver com o gênero delas. Sobre a perda de interesse das meninas em Exatas Sobre as meninas não se acharem "brilhantes" Sobre as meninas poderem sonhar em ser o que quiserem |
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