Na semana passada, trouxemos, aqui na newsletter de Tilt, a história do engenheiro do Google que afirmou que a inteligência artificial em desenvolvimento para a empresa tinha adquirido consciência própria. Agora, voltamos a essa história com o ponto de vista de um psicanalista: o professor Christian Dunker. Segundo ele, o sistema do Google nos dá essa impressão de consciência porque consegue lidar com massas gigantescas de discursos sobre os mais variados temas, criando combinações coerentes de respostas e trazendo considerações consistentes sobre si mesmo. A inteligência artificial envolvida na polêmica é a LaMDA, sigla para Modelo de Linguagem para Aplicações de Diálogo (Language Model for Dialogue Applications, em inglês). E ela consegue ainda absorver e empregar corretamente alguns sinais discursivos que usamos para identificar a presença de outra consciência, tais como pausas e hesitações. Não é por acaso que o engenheiro afastado Blake Lemoine começou a realmente acreditar que LaMDA adquiriu "vida própria". Contudo, para Dunker, a inteligência artificial do Google não parece demonstrar a existência de uma consciência digital, mas "um aparelhamento operacional mais sofisticado do discurso, que seleciona respostas pertinentes" de um vasto banco de dados. E daí a gente aprende como nosso discurso pode funcionar perfeita e indefinidamente se nos atemos a certas regras gramaticais básicas, como inversão, reflexividade e identidade, afirma. O problema, segundo o psicanalista, é que para produzir nuances e camadas de significado, seria preciso simular uma característica desafiadoramente limitante para máquinas: a capacidade de criar e lidar intencionalmente com ambiguidade, bem como de atribuir intencionalidade ao que, em princípio, está desprovido dela. "O que torna a consciência humana talvez não seja sua perfeição racional nem a sua capacidade de ler e interpretar afetos e emoções, mas a imperfeição de nossa linguagem e o animismo regressivo de nosso pensamento", escreveu Dunker. É justamente o inconsciente a característica mais difícil de se simular digitalmente. Curiosamente, é aí que Lemoine se mostrou humano e a LaMDA, não. O engenheiro, segundo Dunker, desdobrou a consciência do erro como uma hipótese da existência de outra consciência. Algo que ele e que todos nós, humanos, estamos sujeitos a fazer, mas a LaMDA ou qualquer outra máquina ainda não é capaz. |
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