'Suportaria ficar mais um pouquinho?" A pergunta da juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina, para da menina de 11 anos grávida após um estupro ecoou no ouvido de todos que assistiram ao vídeo publicado pelo The Intercept Brasil e pelo Portal Catarinas. Em áudios publicados pela reportagem, a juíza tenta convencer a menina a seguir com a gravidez, mesmo com respostas claras da vítima de que ela não queria. Ela chegou a falar para a criança que a gravidez precisaria continuar para que o bebê fosse colocado para adoção. A juíza ainda determinou que a garota fosse removida de sua casa e dos cuidados de sua mãe, confinando-a em um abrigo público A sequência de ilegalidades no caso foi elencada pela advogada e colunista de Universa, Isabela Del Monde: "A falta de sensibilidade dessa decisão está me consumindo. Como uma juíza afasta uma criança de 11 anos, vítima de estupro e grávida, atualmente de 29 semanas, da sua mãe? A magistrada primeiro alegou que colocou a vítima em um abrigo para protegê-la de novas violências sexuais. Uma decisão sem qualquer sentido lógico e humano, já quem deveria ser afastado de qualquer convívio é quem estupra, nunca quem é estuprada". A atitude da juíza foi classificada como "tortura" pelas ativistas de direitos da mulher ouvidas por Rute Pina, repórter de Universa. "O aborto legal não é crime. Parece redundante dizer isso, mas o que temos visto é jurisdições se baseando em opiniões e em cunho fundamentalista. A tarefa da justiça deveria ser garantir que criança não pudessem ser mães depois de passar por inúmeras violências, não passar um mecanismo de tortura do Estado", disse Tabata Tesser, integrante da organização Católicas pelo Direito de Decidir e mestre em Ciência da Religião pela PUC-SP, a audiência pode ser equiparada a uma tortura psicológica. A juíza Cristiana Cordeiro, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e presidente da AJD (Associação Juízes para a Democracia) também lembrou que as cenas descritas pela reportagem mostram uma violação da Lei do Depoimento Especial, de 2017, que trouxe uma regra impositiva para a realização de oitivas — processo em que uma pessoa é ouvida pela Justiça — com crianças e adolescentes. "Elas têm que ser ouvidas de uma forma que não sejam revitimizadas". Na noite noite de quarta-feira (22), foi, finalmente, realizado o procedimento de interrupção de gestação. O órgão público lamentou a situação passada pela criança. "O Ministério Público Federal lamenta a triste situação ocorrida e reafirma seu compromisso em zelar pelo efetivo respeito aos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal". A solicitação do MP foi cumprida parcialmente. O pedido inicial era para que o Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), acatasse todos os casos de aborto em caso de estupro, independente do tempo de gestação. Porém, por enquanto, só o caso da menor de Santa Catarina foi autorizado. O episódio, que dominou o noticiário nesta semana, mostra como as leis que regulamentam o aborto são essenciais, mas não suficientes. Na reportagem especial coordenada pela editora-chefe de Universa Débora Miranda mostramos o relato de mulheres que passaram legalmente pelo processo de interromper uma gravidez indesejada em diversos países da América Latina. Enquanto esse direito é garantindo por lei na Argentina, no Uruguai, em Cuba, na Guiana e na Guiana Francesa, na Colômbia e em algumas regiões do México no Brasil a discussão não avança há uma década. A meta, que esperamos não ser utópica, é que num futuro próximo esse seja um direito assegurado a todas as mulheres, respeitando as orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde), que prega um procedimento seguro, acessível, não discriminatório e respeitoso. |
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