Quando alguma coisa cai na internet, é difícil fazê-la desaparecer. Basta uma busca para saber que, em algum ponto da vida, um certo deputado federal foi associado ao uso de drogas ou investigado por desvio de verbas, uma promotora foi suspeita de fraudar concurso público e um policial foi julgado por uma das maiores chacinas do país. Para impedir que fatos antigos continuem a emergir online e assombrem os envolvidos, o direito internacional criou a figura do direito ao esquecimento. O assunto chegou de vez por aqui, com o julgamento marcado no STF nesta semana. Só que a ideia parece ter entrado na pauta de debates pela porta dos fundos: em vez de tratar da internet, nasceu de um programa de TV. Além disso, os reclamantes tampouco querem a exclusão, retificação ou subtração dos conteúdos. Pleiteiam apenas indenização por verem suas dores expostas novamente em vídeo. O que rolou?Antes, o caso: em 1958, Aida Curi, de 18 anos, foi estuprada e assassinada no Rio de Janeiro. O caso foi amplamente noticiado nos jornais porque um dos autores, Ronaldo Guilherme de Souza Castro, pertencia a uma família tradicional da cidade. Em 2004, a TV Globo reviveu a história no programa "Linha Direta Justiça". Consultados, os parentes de Aida pediram para nome e foto da moça não fossem exibidos. Não atendidos, foram à Justiça: - Pediam indenização por dano moral pelo uso não autorizado da imagem de Aida; argumentaram que a história reabria feridas antigas. Só que:
- Perderam na primeira e segunda instância, e acórdão do STJ confirmou a derrota. Nesta última corte, porém:
- O ministro relator, Felipe Salomão, aludiu que o caso era de direito ao esquecimento, pois contrapõe liberdade de imprensa ao direito à privacidade e à vida íntima. Pronto:
- O caminho para uma discussão constitucional estava formado, já que os dois preceitos são garantias fundamentais. Em 2017:
- O ministro do STF Dias Toffoli decidiu que a discussão tem repercussão geral. Ou seja...
- O plenário da Suprema Corte vai analisar se o direito ao esquecimento pode se aplicar a qualquer caso na esfera civil. A partir daí:
- Passaram a acompanhar o caso com preocupação empresas de internet (do Google ao Yahoo!), organizações de direitos na rede (do ITS-RIO ao Artigo 19) e de liberdade de imprensa (como a Abraji). Afinal:
- O STF pode mudar para sempre o que veremos na internet.
Por que é importante?Fora do país, a primeira decisão que se tem notícia de direito ao esquecimento é a vitória judicial de Mario Costeja González sobre o Google. Em 1988, o advogado espanhol figurou em um jornal por supostamente estar devendo ao governo, o que levaria seu apartamento a leilão. Ainda que a dívida já tivesse sido quitada, a notícia continuava a surgir quando alguém dava um Google pelo seu nome. Em 2014, ele conseguiu que a ferramenta de buscas o esquecesse — pelo menos dentro da Europa. Dentro da comunidade internacional, ficou combinado assim: direito ao esquecimento vale para fatos que já se dissolveram no tempo (alguém que foi alvo de suspeita que não se confirmou, por exemplo). Isso é tão sério que o Regulamento Geral sobre Proteção de Dados da Europa traz um capítulo específico sobre o tema. Mas todo o debate foi construído tendo a internet em mente. Já no Brasil? Não é assim, mas está quase láPor aqui, outras decisões, inclusive do STJ, já arranharam a ideia. Na esfera penal, já há precedente para usar o direito ao esquecimento (condenados pela Justiça podem não ter seus antecedentes trazidos à tona a toda hora). Para questões cíveis, a questão ainda é nebulosa. O próprio Toffoli dá a dimensão do que está em jogo: De um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; de outro, a dignidade da pessoa humana e vários de seus corolários, como a inviolabilidade da imagem, da intimidade e da vida privada Dias Toffoli, ministro do STF Só que, do jeito que a discussão começou, a decisão pode ir bem além da internet. Ter nascido da contestação a um programa de TV já indica isso. As implicações de uma decisão favorável podem inviabilizar coberturas jornalísticas ou mesmo posts no Facebook. Já imaginou ser obrigado a pagar indenização por simplesmente ter citado alguém no Twitter sem autorização? Pois é.
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