No Japão, obras protegidas por direitos autorais podem ser utilizadas para a mineração de textos e de dados, impulsionando desta maneira o aprendizado de máquinas nas ferramentas de inteligência artificial (IA). É esse o tema da coluna de Carlos Affonso de Souza, no Tilt, nesta semana. A gente sabe que quanto mais textos lê o ChatGPT ou mais imagens processam ferramentas como Midjourney ou Stable Diffusion, mais sofisticados são os resultados. No entanto, a proteção dos direitos autorais poderia se transformar em uma pedra no sapato para o desenvolvimento de novas tecnologias. No Japão, esse problema não existe desde 2009. E justamente o pioneirismo japonês ao tratar do tema fez com que o país pudesse sair na frente nos debates sobre o desenvolvimento responsável de aplicações de inteligência artificial. Com a expansão das aplicações de IA generativa e a explosão de conteúdos, como imagens e textos, criados automaticamente, o país agora se faz uma pergunta: será que a permissão para mineração de dados viabiliza que toda obra autoral seja analisada pelas ferramentas de IA para criar algo novo? A Agência de Assuntos Culturais, do governo japonês, divulgou um documento que divide a operação das ferramentas de IA generativa em duas fases. A primeira é dedicada ao "desenvolvimento/aprendizado de IA". Já a segunda é focada na "geração/uso" de um novo conteúdo. Na primeira fase, obras protegidas por direitos autorais podem ser usadas sem precisar passar pela autorização do autor ou do titular dos direitos autorais. O documento faz a ressalva de que esse uso deve ser feito dentro "da extensão necessária" e sem "prejudicar injustamente os interesses" do titular dos direitos autorais. Na segunda fase, quando o conteúdo é efetivamente criado pela ferramenta de IA, o documento esclarece que as normas sobre infrações aos direitos autorais valem normalmente. E com as imagens? Nada impediria que o autor cujas obras "inspiraram" a IA reconheça os seus trabalhos na imagem nova e busque uma indenização. As notícias sobre como o governo japonês estava lidando com o tema dos direitos autorais e as novas IA generativas ganharam repercussão nas redes sociais. O cientista-chefe sobre inteligência artificial na Meta afirmou que o Japão havia se tornado "um paraíso para o aprendizado de máquina". O posicionamento do governo japonês já encontra resistência, especialmente por parte dos criadores e das empresas envolvidas na indústria de anime e mangá. Eles sinalizam que o movimento pode retirar incentivos para a criação autoral, afetando um setor produtivo que garante importante retorno comercial para o país. Existem também outros motivos por trás do posicionamento adotado pelo governo. Uma parte expressiva das aplicações de IA, especialmente as que processam texto, é treinada em inglês. Com isso, vai se abrindo cada vez mais um abismo não apenas entre as pessoas que dominam ou não o idioma, mas também na forma pela qual funcionam as ferramentas de inteligência artificial. Por isso o Japão, ao confirmar que o uso de obras autorais no aprendizado de máquina não precisa ser autorizado, pode estar buscando também incentivar a formação de bancos de dados e o treinamento de máquinas com base em conteúdos em japonês. Não resta dúvida que as aplicações de IA generativa vieram para transformar a criação artística, que usa diversos elementos (inclusive obras alheias) para criar conteúdos em uma fração de segundos. A bem da verdade, a criação intelectual sempre se inspirou nas obras do passado para produzir algo novo. Acontece que agora essa inspiração é automatizada e ninguém sabe ao certo qual característica de uma obra do passado gerou a criação nova que se vê na tela. Fica a reflexão sobre como essas aplicações transformam todo usuário em autores instantâneos. Se é que podemos dizer que quem escreve um prompt e dá um enter é realmente o autor do resultado. Para além de todas as confusões sobre a possibilidade de se usar obras autorais para treinar as máquinas, vamos precisar discutir cada vez mais se o que a máquina cria é protegido por direito autoral. E se for, é direito autoral de quem? **** CONFIRA TAMBÉM UOL CARROS DO FUTURO Toda quarta-feira, a newsletter UOL Carros do Futuro traz tendências e debates sobre as novas tecnologias da indústria automobilística. Nesta semana, a newsletter fala sobre o uso de leite como combustível. Ou quase isso. Quer se cadastrar e receber o boletim semanal? Clique aqui. |
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