O psicanalista Cristian Dunker, colunista de Tilt, traz uma discussão intrigante sobre o papel da opinião pública e o impacto do neoliberalismo promovido pelas grandes empresas de tecnologia, utilizando como referência o pensamento do filósofo Karl Popper. Segundo Popper, um filósofo liberal, temos o hábito de atribuir uma certa autoridade à voz anônima das massas, expressa pelo ditado popular "a voz do povo é a voz de Deus". A opinião de pessoas diversas em ruas diversas é tão verdadeira ou tão falsa como a de homens importantes em uma sala de reunião. De acordo com esse pensamento, se todos reconhecem a verdade em algum lugar na voz do povo, na voz do boato e principalmente quando ele parece formar uma unanimidade existe então um "grão de verdade". Popper argumenta que a opinião pública e a vontade geral, ao contrário do consumo e do mercado, são mais influenciadas pelas emoções do que pela razão. Para o filósofo, o Estado é necessário e uma de suas funções primordiais é garantir a liberdade de pensamento e expressão, mesmo em meio às tensões entre instituições e tradições. No entanto, surpreendentemente, para ele não cabe ao Estado proteger uma série de valores que não podem ser determinados pela ciência. A tensão entre opinião pública institucionalizada (partidos, universidades, editorias, imprensa e sistema das artes) e opinião pública informal (comunidades de crença, conversação cotidiana e "características de certas raças ou grupos") não deve ser administrada pelo Estado, mas sim pela "forte tradição liberal". No entanto, Popper não nos oferece nenhuma indicação de como essa tradição liberal seria suficiente para enfrentar os problemas que ele mesmo identifica e que ressurgem no contexto das regulamentações da internet. Se a opinião pública representa uma ameaça à liberdade "se não for moderada por uma forte tradição liberal", como essa mesma tradição liberal, que deveria ser seu contrapeso moderador, poderia funcionar se também faz parte da opinião pública? As evidências acumuladas nessa questão são fornecidas pelos métodos das grandes empresas de tecnologia. Ou seja, a mesma "forte tradição liberal" de livre discussão que elas representam e defendem, graças ao neoliberalismo, também pode ser usada para lucrar com o ódio, recompensar a irresponsabilidade nas palavras, impulsionar opressão e crueldade, além de criar mecanismos institucionais de autopreservação e monopolização da censura, como a autocensura. Esse paradoxo fica evidente na aquisição do Twitter por Elon Musk. Em nome da "forte tradição liberal", com o objetivo de garantir a democracia e a liberdade de expressão, a própria "forte tradição liberal" cria o privilégio e a prerrogativa de se autolimitar. Tudo isso porque a opinião pública é apenas mais um aspecto da metafísica, irracional por natureza, que não se deixa guiar pela ciência como uma forma irresponsável de poder. É como se fosse impossível individualizar e responsabilizar esse tipo de poder, e como se fosse inadequado limitá-lo como uma manifestação do excesso de força da "tradição liberal". Como se as partes mais corrompidas das tradições não tivessem nada a dizer sobre os desvios da opinião pública, nos quais elas próprias estabeleceram sua própria irracionalidade. Como se a banda podre das tradições nada tivesse a dizer sobre os descaminhos da opinião pública, sob a qual ela teria estabelecido sua irracionalidade de partida. **** CONFIRA TAMBÉM UOL CARROS DO FUTURO Toda quarta-feira, a newsletter UOL Carros do Futuro traz tendências e debates sobre as novas tecnologias da indústria automobilística. Nesta semana, a newsletter fala que o novo motor da Toyota mostra que não precisamos de carros elétricos. Quer se cadastrar e receber o boletim semanal? Clique aqui. |
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