NEGA DA NET: CW#91 - Arquitetura no céu

sábado, 5 de junho de 2021

CW#91 - Arquitetura no céu

Paulo Mendes da Rocha, Jaime Lerner, Lina Bo, Raul Juste Lores, nova newsletter, Beatriz Milhazes, tour de vinhos e Primavera Sound

Renato Salles

Jun 5

Vira e mexe eu vou ter que falar de arquitetura por aqui. É uma das minhas paixões (tanto que trabalho com isso), e também é um assunto que penso que é pouco difundido, pouco entranhado no cotidiano do brasileiro. Tanto é que perdemos há pouco mais de 10 dias um dos mais importantes arquitetos da nossa história (se não O mais), e o que se viu falar sobre isso é digno de uma nota de rodapé da sua vida. Paulo Mendes da Rocha ganhou, em seus mais de 60 anos de carreira, todos os maiores prêmios de arquitetura do mundo: Pritzker (2006), Leão de Ouro de Veneza (2016), Prêmio Imperial do Japão (2016), Medalha de Ouro do Royal Institute of British Architects (2017), Medalha de Ouro da União Internacional dos Arquitetos (2021), entre outros. Merecia muito mais (prêmios e atenção do público).

Se estivesse começando no panorama da arquitetura internacional de hoje, Oscar Niemeyer teria mais chances de se destacar com suas obras faraônicas. Paulo Mendes passaria despercebido. Ele era um cara simples, discreto, com uma visão de mundo muito mais humanista. Amava a cidade com toda sua complexidade e suas mazelas - Jane Jacobs poderia ser sua grande amiga. Mesmo fazendo obras imponentes, como o retrofit do Liceu de Artes e Ofícios para virar a Pinacoteca de São Paulo, e sendo conhecido pelo uso do concreto aparente, suas obras sempre expressam sutileza, convidam à fluidez. Gosto muito da explicação que ele dá para o projeto do MuBE (foto ali em cima), em São Paulo, em que o objetivo dele é colocar uma pedra no céu. Pura poesia. Quem quiser conhecer mais sobre a obra dele, e também ver que figura sensacional ele era, o documentário ‘Tudo é Projeto’ é essencial. Ali aparece ele mostrando o então-em-obras Sesc 24 de Maio. E eu fiz há alguns anos uma lista de projetos dele em São Paulo que podem ser conhecidos por dentro, ou só por fora. Descansem em paz, mestre!

A semana na arquitetura brasileira também foi marcada por outra perda, do arquiteto e urbanista Jaime Lerner. Reforço o urbanista, pois foi pensando a cidade que ele deixou seu maior legado. Lerner entrou para a política nos anos 70, e pôde exercer sua profissão como prefeito de Curitiba por 3 vezes, e como governador do Paraná. Difícil encontrar profissionais que atuem dos dois lados, e ainda que o façam com tanta maestria. Foi ele quem redefiniu o sistema de transporte público brasileiro, priorizando o transporte de massas em detrimento do individual. E foi da sua prancheta que surgiu o primeiro calçadão para pedestres, que seria replicado em diversas cidades brasileiras.

Fora esses dois, ainda perdemos em 2021 a fenomenal arquiteta Carol Bueno, do escritório Triptyque, que faleceu no começo do ano. Além de uma profissional do primeiro time, a Carol ainda era uma pessoa incrível, que iluminava o ambiente com seu sorriso.

A boa notícia, pelo menos, foi o anúncio do Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza desse ano, que foi postumamente para a nossa Lina Bo Bardi. Mesmo sendo italiana de nascença, Lina veio para o Brasil em 1946 e aqui ficou até sua morte em 1992, brasileiríssima. E mesmo tendo projetado edifícios icônicos como o MASP, o Sesc Pompeia e o Museu de Arte Moderna da Bahia, continua mais conhecida lá fora que aqui (o Secretário de Cultura que o diga). O prêmio ainda vem acompanhado de uma nova biografia da arquiteta escrita pelo craque Francesco Perrotta-Bosch, e editado lindamente pela Todavia. Eu ainda não consegui o meu, mas se você quiser desesperadamente me presentear, fica a dica.

E segura, Berenice, que ainda estamos só em junho. Espero que esse resto de 2021 seja mais gentil do que foi até agora.

Se tem alguém que valoriza nossa arquitetura, ele é o jornalista Raul Juste Lores. Depois de promover uma mudança ótima de enfoque na Vejinha São Paulo como editor-chefe, ele agora segue em vôo solo e livre, com seu próprio canal no Youtube. No primeiro episódio, ele visitou a quase pronta obra da Cidade Matarazzo, e conversou com o Alex Allard (vem coisa bacana por aí). Aproveite para ler o livro do Raul sobre os prédios mais icônicos de SP, e também ouça a conversa interessantíssima dele com a Carol Bueno no seu antigo podcast.

Tem novidade das boas vindo aí. A Gaia Passarelli foi selecionada pelo Substack para ser a representante brasileira de um programa de valorização do jornalismo local. A newsletter Paulicéia começa agora em junho, e você já pode se inscrever. O tema? São Paulo, claro, e a sobrevivência da cultura paulistana num mundo pandêmico.

Falando no MASP, se você ainda não viu, você tem só mais esse fim de semana para ver a exposição da Beatriz Milhazes no subsolo do museu. Além da obra dela ser um sopro de vida e cores para esses tempos sombrios, ir na exposição é seguro, sim! Não perde.

Se você quer fazer um tour que mistura arquitetura com bons drinks, e ainda não causar aglomeração, que tal uma passeio por uma vinícola com degustação de vinhos na Serra da Mantiqueira? A Casa Verrone montou um esquema para manter as visitas mesmo durante a pandemia. Eu ainda não fui conhecer, mas já está na minha lista.

Quem estava ligado na CPI essa semana (quem diria que TV Senado viraria um vício?) talvez não tenha visto que o Primavera Sound anunciou o line-up da edição 2022. E os caras não estão para brincadeira. Serão mais de 400 artistas em nada menos que ONZE dias de festival. Você tem um ano para se preparar, guardar energia e muitos euros.

Essa newsletter sai em um dia especial porque hoje a minha amiga-sócia-irmã-companheira-de-viagens-e-aventuras Lalai começa mais um ano na sua vida agitada! Parabéns, meu amor! E se você, leitor, quer dar um presente para ela, você pode assinar a newsletter dela. Prometo que quem vai ganhar um presentão é você!

Fique bem, aproveite o fim de semana, lute contra o autoritarismo!