sexta-feira, 25 de junho de 2021

Você vai esperar ou esperançar?

"É preciso ter esperança. Mas tem de ser esperança do verbo esperançar.  Porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. Esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. 'Ah, eu espero que melhore, que funcione, que resolva'. Já esperançar é ir atrás, é se juntar, é não desistir. É juntar-se com outros para fazer de outro modo." - Paulo Freire

Como ter esperança no Brasil de 2021? Não enxergo outro modo senão através do "esperançar" de que falava meu conterrâneo. Paulo Freire defendia uma compreensão da história como possibilidade, e não determinismo: "O mundo não é, o mundo está sendo".

Não sei você, mas eu leio balançando a cabeça, concordando. Penso que só podemos mudar as coisas, seja a nível pessoal ou coletivo, se acreditarmos na possibilidade de mudança. Se acreditarmos no sonho, não como uma realidade impregnada de fantasia, mas como um motor que nos leva adiante. Mesmo que – ou especialmente se? – pra seguir novos caminhos a gente precise desconstruir a estrada inteira.

É o que também chamam por aí de Esperança Ativa: em vez de esperar passivamente por mudanças, a ideia é atuar pra promover o que se deseja. Não é questão de TER esperança, como um otimismo que vem de nascença. É algo que se PRATICA. Uma escolha consciente, orientada por nossos valores e nossa intenção.

"É um processo que podemos aplicar a qualquer situação e envolve três etapas principais. Primeiro, temos uma visão clara da realidade; segundo, identificamos qual rumo desejamos que as coisas tomem e quais valores gostaríamos de ver expressos; e terceiro, damos passos para movermos a nós mesmos ou a nossa situação nessa direção", diz esse texto sobre o livro Esperança Ativa.

Repare que a primeira etapa fala de "visão clara da realidade". Ou seja: não é sobre negar o que está acontecendo, se alienar ou se forçar a ser good vibes enquanto o mundo tá desmoronando. Nem é sobre achar que tudo pode ser resolvido com base no esforço individual. É, sim, sobre encarar a realidade nos olhos e buscar motivação todos os dias pra se articular com outras pessoas e modifica-la.

Vamos esperançar juntes?


Turismo regenerativo: sustentabilidade não é suficiente

"Com licença, turismo sustentável. O turismo regenerativo chegou". Com esse título provocador, o jornal New York Times resumiu uma discussão que vem ganhando mais alcance no último ano: no estado de crise sistêmica em que o mundo se encontra, viajar de forma "sustentável" não parece ser suficiente.

O termo sustentabilidade significa, em resumo, "suprir as necessidades do presente sem afetar as gerações futuras". Mas as gerações futuras já estão afetadas, e não é mais possível respeitar os limites do planeta se eles já foram superados. Cada vez mais gente concorda que manter nosso modo de vida igual e tentar mitigar os prejuízos que ele provoca pra todos os seres é uma estratégia que não está funcionando.

Por isso, quem defende o turismo regenerativo argumenta que em vez de reduzir as mudanças climáticas, é urgente revertê-las. Pra proteger nosso futuro, é preciso recuperar os danos que já causamos, não só em termos ambientais, como também sociais e econômicos. E isso só será possível se mudarmos nossa forma de pensar – e, consequentemente, de viajar.

Essa proposta se baseia na superação da visão mecanicista da vida em prol de uma perspectiva sistêmica, que eles chamam de "paradigma ecológico". A ideia é pensarmos no mundo como o sistema orgânico e interdependente que ele é. Em vez de buscar performance e produtividade sem limites, precisamos respeitar os ciclos da vida pra permiti-la prosperar.

Falei mais sobre o conceito de turismo regenerativo lá no blog.



Já ouviu falar em Ecopsicologia?

O Turismo Regenerativo me lembrou outro conceito que também conheci recentemente: a Ecopsicologia. "A Ecopsicologia é um recorte de compreensão do ser humano enquanto ser natural, inserido num ecossistema, num ambiente, inserido na teia da vida", explica a psicóloga Bruna Ledo nesse post do Espaço Rizoma.

Essa abordagem, que dialoga com a antropologia, a sociologia, a biologia e com saberes populares, se contrapõe ao pensamento utilitário que nos faz acreditar que a natureza está aí pra nos servir. A ideia central, pelo que entendi, é a compreensão de que somos natureza.

"Historicamente, tudo o que era relacionado à natureza em nós foi sendo reprimido: nossas emoções, afetos... As pessoas não sabem lidar com as emoções, que são natureza pura; A vivência do corpo e da sexualidade, muito reprimida, também é natureza; A dimensão sensível, dos sonhos, das experiências imateriais, da psique, também é natureza", diz Bruna.

Entender que somos natureza nos permitiria tanto viver nossas potencialidades quanto respeitar os outros seres. E parece ser a única saída pra essa distopia que provoca mais e mais destruição e adoecimento a cada dia.

"O grito da Terra por ajuda contra o peso punitivo do sistema industrial que nós criamos é o nosso próprio grito por uma vida em escala e qualidade que liberte a cada um para tornarmo-nos a pessoa completa que, sabemos, nascemos para ser". - Theodore Roszak, citado no site do Instituto Brasileiro de Ecopsicologia.


Livros que me abriram janelas

Viajar me ajuda muito a questionar as visões de mundo que costumamos naturalizar. Como já falei aqui, os livros têm ocupado mais que nunca esse papel na minha vida durante a pandemia. E desde que tomei a decisão consciente de diversificar mais minha estante, que costumava ser cheia de escritores brancos, eles têm me dado acesso a vozes mais diversas, que me ensinam muito.

Mês passado, falei aqui sobre o A Mulher de Pés Descalços, que traz um retrato real dos conflitos que levaram ao genocídio do povo Tutsi em Ruanda. Esse mês, senti um pouco do que é ser uma imigrante nigeriana em Londres seguindo os passos de Buchi Emeneta no livro No Fundo do Poço, que me deixou ansiosa pra ler outros títulos da autora ainda mais elogiados, como As Alegrias da Maternidade e Cidadã de Segunda Classe.
 
Também li há pouco uma das raras HQs da minha vida adulta, Aya de Yopougon, que supera estereótipos sobre a África ao contar histórias sobre um grupo de jovens na Costa do Marfim. Agora já tenho mais um monte de quadrinhos na infinita lista de leituras (e aceito outras recomendações!).
 
Por fim, uma indicação de leitura que ainda não terminei, mas não podia deixar de mencionar porque mal dormi na última noite lendo quase todo de uma vez: Tudo é Rio, de Carla Madeira, é uma força da natureza. Como diz Martha Medeiros na orelha do livro: "(...) Na primeira leitura, essa entrega mais lenta é quase impossível, pois a correnteza dos acontecimentos nos leva até a última página sem nos dar chance para respirar. É preciso manter-se à tona ou a gente se afoga". Recomendadíssimo!
 
E você, que janelas tem aberto por aí? Responde e me conta! :)

Um abracinho apertado virtual,

Luísa
 

 
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