| | Bia Zaneratto, do Palmeiras: equipe feminina tem patrocínio master do site de apostas Betfair | Fábio Menotti/Palmeiras |
| | | | Regular apostas esportivas vai muito além de manipulação e impostos | | O governo federal deve divulgar no máximo em um mês, ou até antes, o conjunto de medidas para regulamentar as apostas esportivas no país. Desde que o assunto começou a ser discutido a sério na imprensa e pela opinião pública, dois pontos têm norteado as conversas: a necessidade de combater a manipulação de resultados e o quanto de dinheiro que o governo pode arrecadar. Mas o debate é muito mais complexo, porque envolve custos sociais — comportamentos patológicos e violentos que derivam do vício em apostas, por exemplo. Um estudo do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, publicado na semana passada, joga luz sobre isso. O documento cita um levantamento do estado de Victoria, na Austrália, que verificou que, nos anos de 2014 e 2015, foi arrecadado 1,6 bilhão de dólares australianos em impostos. Mas os custos sociais das apostas foram calculados em quase 7 bilhões. Mais do que o quádruplo. Quem já esteve na Inglaterra sabe como é grave o problema das apostas esportivas por lá. Por todos os cantos existem casas físicas de apostas, tão comuns quanto lojas de conveniência, onde pessoas, em sua maioria homens, passam o dia assistindo a eventos na TV e apostando sem parar. No Japão, foi impressionante a experiência de entrar em uma casa de apostas durante os Jogos Olímpicos de Tóquio. Os apostadores ficavam em poltronas extremamente confortáveis, projetadas para a máxima atenção na tela enorme, individual, que mostrava corridas de cavalo. Visivelmente era possível permanecer um dia inteiro ali, apostando. Com exceção de um pequeno grupo de apostadores que aperfeiçoou táticas para sair no lucro, a enorme maioria apenas perde dinheiro. Com a regulamentação, parte do prejuízo do apostador/cidadão e lucro da banca voltará para o governo em forma de imposto. Mas será que a conta compensa? O estudo do Senado cita que diversas pesquisas acadêmicas apontam que, no caso dos cassinos, o impacto na receita governamental é de curto prazo e fica restrito aos setores de entretenimento e hospitalidade. O que não acontece quando as apostas são online: afinal, o apostador não sai da frente do computador e não há ganho movimento algum na economia - a relação é direta com o site. A conclusão de uma das pesquisas citadas é de que "os impactos econômicos são negativos, com redução de arrecadação de impostos por parte dos governos locais (efeito substituição), uso do cartão de crédito para apostas e problemas sociais, como comportamentos patológicos e desintegração de famílias" Vamos pensar no seguinte exemplo: um trabalhador, depois de pagar todas as suas despesas, tem uma sobra de R$ 200 na conta. Uma verba extra que ele pode gastar com lazer - ir a um show ou a um jogo de futebol, levar a família para jantar ou guardar para uma viagem no fim do ano. Qualquer uma dessas opções vai fazer a roda da economia girar: com o ingresso, com a alimentação, com o transporte. Mas quando esse dinheiro vai para um site de apostas, o benefício é único e exclusivo do dono do site, uma corporação internacional que, quase sempre, tem sede em um paraíso fiscal. É o "efeito substituição", citado acima. O imposto arrecadado a partir das apostas é o imposto que deixa de ser arrecadado em outro setor. Outros dois pontos do estudo do Senado: "não se sabe ainda o efeito da difusão do mercado de apostas esportivas sobre o orçamento familiar, a capacidade de poupar e o endividamento, em especial, em famílias de baixa renda". E: "é preciso considerar o efeito substituição entre modalidades de apostas, com as apostas esportivas online tendendo a absorver antigos apostadores e a atrair novos." O estudo cita custos associados em saúde (novos leitos e profissionais de saúde física e mental, em razão do aumento de casos de vício), em previdência (aumento de licenças saúde e aposentadoria por invalidez dos possíveis dependentes) e administrativos (toda regulamentação exige pessoal para fiscalizar). Isso sem contar os custos de campanhas educativas. Outro dado interessante: na Alemanha, a substituição de 10% de jogos off-line (como as loterias tradicionais) por jogos online aumenta de 8,8% a 12,6% a possibilidade de alguém desenvolver comportamento de jogo problemático. O apostador da Mega, ou do jogo do bicho (que, ressalte-se, é uma contravenção penal), sabe que o sorteio acontece com determinada regularidade e ele só pode apostar de tal a tal horário. No online, existem opções o tempo todo. A opção: "quem vai marcar o próximo ponto" em um jogo de tênis, por exemplo, é um contínuo par ou ímpar. Só nos últimos 10 dias foram criadas três associações representativas do setor de apostas, que tentam influenciar as discussões no governo e, mais adiante, no Congresso. O lobby já é forte para a regulamentação com o mínimo de contrapartidas. Exemplo foi uma coluna publicada na semana passada criticando o valor da licença de cada site, que pode chegar a R$ 30 milhões por cinco anos. O argumento é que empresas menores teriam que sair do país e, com isso, tirar seus patrocínios aos clubes de futebol. Mas, diante da penetração desses mesmos clubes junto ao público menor de idade, o país deveria estar discutindo se vale a pena ter publicidade de casas de apostas no peito dos uniformes. Para terminar, o estudo cita seis questões que, eu acho, deveriam valer como recomendação: - proibir bônus de entrada nas plataformas de aposta
- proibir oferta de crédito e empréstimos (para ninguém ficar endividado por causa de jogo)
- proibir o uso de cartão de crédito (idem)
- proibir divulgação de odds durante transmissões esportivas (para reduzir a aposta por impulso)
- proibir publicidade direcionada as jovens
- regular o uso de jogadores profissionais, celebridades e influenciadores
Não acredito que dê para voltar atrás da autorização para as apostas esportivas e tenho absoluta certeza de que é preciso regulamentá-las. Mas me parece claro que o olhar do debate público está enviesado para os interesses da economia e dos clubes de futebol. Os esportes olímpicos mal são considerados, até porque vão ficar com fatia muito pequena do bolo, uma vez que têm participação ínfima no mercado de apostas. | Três pitacos sobre o esporte brasileiro | VIDA DURA PARA AS SELEÇÕES DE VÔLEI A seleção feminina de vôlei estará em Paris. Não há nenhuma dúvida sobre isso. Mas José Roberto Guimarães, com razão, quer que a vaga venha na quadra, e não pelo ranking. A tarefa no Pré-Olímpico será árdua, contudo. O Brasil caiu no grupo com Japão e Turquia, na casa das japonesas, que quase tiraram a seleção brasileira do Mundial. No masculino, são quatro campeões continentais: Brasil, Itália (também campeã mundial), Cuba e Irã. Chave duríssima no Maracanãzinho. ... DOPING REVISTO NA NATAÇÃO É importante que o Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) tenha revisto a falta de punição a Gabriele Roncatto por doping. Não há indícios de que ela tenha visado ganho esportivo, mas é absurdo que uma atleta seja inocentada depois de admitir que consumiu um produto proibido no Brasil alegando que o rótulo não citava a presença da substância proibida. É como fumar maconha e dizer que no cigarro não estava escrito "contém cannabis". Com a suspensão retroativa de seis meses, Gabi perdeu o recorde brasileiro dos 400 m livre, mas não deixa de competir. Vida que segue e exemplo que fica. ... A CULPA É DO ASSEDIADOR O episódio da expulsão de MC Guimê e Cara de Sapato no BBB deve servir de lição para o esporte olímpico brasileiro. Menos por eles e mais pela reação da mexicana Dania, vítima do assédio, que ficou se sentindo culpada, como se fosse a responsável por fazer "mal" a alguém. O culpado por um caso de assédio é sempre o assediador ou a assediadora. Como é sempre daquele que comete o assédio a responsabilidade pelas consequências dos seus atos. Para si, para a vítima, para a comunidade envolvida. Então, se uma técnica ou um técnico (ou qualquer pessoa em posição de poder) assedia atletas, esses devem ter em conta que, caso a pessoa que cometeu o assédio seja punida ou demitida, a culpa é exclusivamente dela, e não de quem fez a denúncia. Se isso causar o fim dos investimentos em uma seleção, com o fim de um patrocínio ou o fim da chance de uma medalha olímpica, a responsabilidade é do profissional assediador e da confederação que não tomou medidas contra o assédio. A culpa nunca será das vítimas que têm coragem de denunciar. Jamais. | Muitos resultados: a temporada olímpica de 2023 começou | Hoje a newsletter está longa, mas é por um bom motivo. Começou a pegar fogo a temporada 2023 de competições internacionais. Na ginástica rítmica, o Brasil conquistou um ótimo resultado na Copa do Mundo de Atenas. Foi medalha de bronze na prova olímpica, que soma as notas de duas apresentações, algo que nunca antes uma equipe fora da Europa e da Ásia havia conseguido. O Brasil tirou 35,000 nos cinco arcos e 28,850 na série mista (duas bolas e três fitas), somando 63,850 pontos. Ficou atrás de Israel (65,450) e Bulgária (64,700), as duas primeiras do último Mundial, em que o Brasil foi quinto. O feito é importantíssimo, mas não significa que o Brasil entra, automaticamente, na briga por uma medalha olímpica. Vale lembrar que a Rússia, de longe a maior potência do esporte, está suspensa, mas pode voltar em Paris-2024 junto com Belarus, que foi top 5 das últimas quatro Olimpíadas. E, na ausência dos dois países, todo mundo está se dando bem. A Itália ganhou medalha nas duas finais por aparelhos, Grécia e Polônia uma em cada, e a Ucrânia também se mostrou competitiva. China (quarta em Tóquio) e Espanha (bronze no Mundial) não competiram na Grécia. | Seleção de conjunto conquistou medalha inédita em Copas do Mundo | Imagem: Reprodução/Instagram @rgworldcupathens |
... Duas notícias boas e duas péssimas sobre os times B da ginástica artística do Brasil no tradicional torneio DTB Pokal, na Alemanha. Yuri Guimarães e Júlia Soares mostraram que podem ajudar bastante as equipes principais, como já aconteceu no Mundial do ano passado. O péssimo foi constatar que a lista de selecionáveis para grandes competições termina neles. O cobertor é curtíssimo. Yuri foi bronze no salto, com 14,416, depois de fazer 14,500 nas eliminatórias. Evolução para quem fez 14,200 no Mundial. Além disso, ele também foi finalista no solo, com 14,050 nas eliminatórias. Com ele, Arthur Nory, Caio Souza e Diogo Soares, o Brasil está bem nesses dois aparelhos. No feminino, Júlia Soares venceu a final do solo com 13,300, nota semelhante à que teve no Mundial e que, se não vale para brigar por medalha em grandes competições, ajuda bem a equipe. O mesmo vale para os 12,633 que fizeram dela quarta na trave. Como Lorrane Oliveira compete bem no salto e nas assimétricas, as duas se completam. ... No skate, foi ótimo ver Gabi Mazetto ganhando o STU de Porto Alegre, deixando Rayssa Leal com a prata. O resultado é importante para abrir as possibilidades de vitórias no país para além da dupla Rayssa/Pâmela e para dar moral a Gabi, que foi finalista do Mundial, mas está um degrau abaixo das melhores do mundo. Também foi muito bonito ver as três melhores do país festejando juntas, e felizes. Ótimo também ver o nível de skate de Kalani Konig, de 15 anos, que fez uma volta de 90,00 para vencer o park masculino, deixando para trás Augusto Akio e Pedro Barros, que no mês passado foram prata e bronze do Mundial. Kalani anda de park e street, mas claramente é no park que ele deve focar. A briga por três vagas em Paris entre eles e Luiz Francisco vai ser ótima, e terá um monte de gente correndo por fora. No feminino, o patamar é mais baixo, mas são seis atletas brigando por três vagas. Yndiara Asp, Raicca Ventura e Dora Varela foram as melhores no Mundial, mas as duas etapas do STU tiveram mais três atletas diferentes no pódio: Nanda Tonissi (prata em Criciúma), Isadora Pacheco (uma prata e um bronze) e jovem Sofia Godoy, de só 14 anos, campeã em Criciúma. | A skatista Gabi Mazetto, vencedora da segunda etapa do STU em Porto Alegre | Imagem: Julio Detefon/ STU Divulgação |
... O Mundial Feminino de boxe está sendo disputado em Nova Délhi, na Índia. Até a publicação dessa newsletter, foram quatro vitórias em quatro lutas de primeira rodada para o Brasil. Só que a chance de não haver competição de boxe em Paris cresce. A IBA, Federação Internacional de boxe amador, organiza o Mundial mas está suspensa pelo COI. E a entidade avisou os oficiais (árbitros, delegados, etc) que quem topar participar do Pré-Olímpico a ser realizado pelo COI será punido. A IBA também já havia ameaçado atletas, pressionando-os a não competir nos eventos qualificatórios para a Olimpíada. É como se existissem dois boxes amadores: o "olímpico", organizado pelo COI, e o da IBA, que é o do Mundial. Se bater o pé defendendo a IBA, o boxe olímpico tem tudo para deixar de existir. | | | |
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