As sabatinas no Congresso dos EUA com grandes empresárias costumam produzir mais bocejos do que resultados. Só que, dessa vez, não deu sono. Os parlamentares não poderiam ter escolhido ocasião melhor para finalmente fazer a lição de casa, afinal, os depoentes eram executivos das principais empresas do mundo: Jeff Bezos (Amazon), Tim Cook (Apple), Sundar Pichai (Google) e Mark Zuckerberg (Facebook). Tirando algumas piadas (conto algumas abaixo, pois eu ri), os deputados pressionaram pontos para lá de sensíveis na operação das Big Tech. E, como são eles que fazem as leis, talvez venham por aí legislações que restrinjam o domínio imperial dessas companhias. O que rolou?É bom ter em mente que o objetivo do Comitê de Justiça da Câmara dos Deputados dos EUA era avaliar se Amazon, Apple, Google e Facebook recorriam as práticas anticompetitivas para esmagar a concorrência e ganhar (muito dinheiro) sozinhas. Nessa linha: - O Facebook foi questionado sobre suas estratégias de aquisição (comprar potenciais concorrentes enquanto são pequenos, caso de WhatsApp e Instagram, turbiná-los e usá-los contra rivais emergente) e...
- ... de criação de recursos (copiar o que dá certo na concorrência para toda sua família de apps até que os usuários achem que Vine, Snap ou TikTok não são tão legais assim. Funcionou com os dois primeiros).
- O Google teve de se explicar sobre o acesso a dados confidenciais de outros aplicativos, inclusive de rivais, que rodam no Android e...
- ... como usa sua ferramenta de busca (a maior do mundo, diga-se) para canalizar o tráfego de usuários a outros de seus produtos (YouTube, Maps etc).
- No caso da Amazon, o pecado capital torpedeado pelos parlamentares foi o uso de dados de concorrentes para definir preços de produtos e estratégias de mercado. Já a...
- ... Apple foi encostada na parede devido a suas políticas de preços na loja de aplicativo (cobra comissão de 30%, faixa similar à da Google Play) e de relacionamento com desenvolvedores (alguns deles tiveram serviços suspensos por criarem produtos similares aos criados pela empresa).
Por que isso é importanteA discussão a respeito do poder das grandes empresas de tecnologia dividia as conversas no mundo dos negócios com a guerra comercial entre China e EUA antes de o coronavírus atropelar todos os debates. A sabatina desta semana mostra que não só voltamos a essa fase, como fizemos isso com o pé na porta. Ainda assim, alguns deputados misturaram bastante as coisas e confundiram outras. Prepara-se, aqui começam as piadas. Um questionou por que o Google se alia à China e até abre um centro de inteligência artificial por lá (não era "deal", era fake news!), mas não topa desenvolver armas conectadas para o Pentágono (isso é verdade!). Outro viu conduta político-partidária do Google ao remeter propaganda dos Republicanos para a caixa de spam no Gmail. Um terceiro achou que Zuckerberg pretendia mesmo comprar o Google, como disse em email a subordinados, e isso era prova cabal de poder de mercado (o executivo segurou o riso e respondeu, 'eu acho que isso era uma piada'). Mesmo com todos os desencontros, os questionamentos miraram sobretudo a forma como as empresas movem seus tentáculos para angariar poder e minar rivais. Ponto para os congressistas. Concentração de poder econômico vira concentração de poder político. Como guardiões da economia digital, essas empresas podem escolher vencedores e perdedores. Não devemos nos submeter aos reis online David Cicilline, deputado democrata por Rhode Island Não é bem assim, mas está quase láÉ impossível usar a internet sem os serviços de uma dessas quatro empresas Jared Nadler, deputado democrata por Nova York A frase acima mostra que os parlamentares parecem conhecer muito bem a extensão de Amazon, Apple, Google e Facebook. O ponto deixou de ser "o que elas são" e passou a ser "como elas se tornaram o que são". Tanto é que o discurso de Bezos (o mundo precisa de grandes empresas: "Não importa quão bom empreendedor você é, você não vai construir um Boeing 787 em sua garagem") e Zuckerberg (construímos uma empresa "orgulhosamente americana") ecoa um patriotismo bem rasteiro. Ainda assim, acertou desavisados em cheio. Ser grande não é inerentemente ruim. Nos Estados Unidos, você deve ser recompensado pelo sucesso Jim Sensenbrenner, deputado republicano de Wisconsin A guinada no teor do argumento dos executivos e sua ressonância junto ao Congresso pode indicar que talvez os ventos tenham começado a soprar para outro lugar, agora que o conflito entre China e EUA voltou a esquentar. Perguntas como "o que" (Okay, as Big Tech são grandes) e "como" (Okay, nossas leis deixaram isso acontecer) devem sair de cena e serem substituídas pelo "por quê?". No momento em que um dos alvos preferenciais da Casa Branca são grandes empresas chinesas (a Huawei, por exemplo, é líder no 5G e maior fabricante de celular do mundo), os parlamentares até achem importante ter gigantes de estimação por perto. Mas só se elas resolveram colaborar. E sabemos onde isso acabou da última vez. |
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