O "BBB" está há quase 20 anos no ar porque agrada a diferentes perfis de públicos e é compreendido de múltiplas maneiras. Mesmo assim, é difícil entender como um paredão aparentemente comum bateu recorde mundial e registrou mais de 1,5 bilhão de votos.
Quem votou? É arriscado cravar como se chegou a este número extraordinário, surreal mesmo. Vou arriscar algumas hipóteses. Para começar, consigo ver quatro tipos de espectadores-padrão que acompanham o programa.
Um tipo comum de fã do reality show da Globo é o que privilegia a diversão. Quer ver confusão, briga, interações inesperadas, erros, acidentes, conversas sem pé nem cabeça. Participantes que acreditam cegamente nas próprias verdades costumam render bons momentos para este tipo de fã do BBB.
Outro tipo comum é o que entende o programa como uma fonte de lições e de alertas sobre relacionamentos. Este espectador aprecia ver as amizades que se constroem ou destroem, a falta de habilidade de uns e o talento de outros na arte de fazer amigos. Também gosta de ver os "brothers" demonstrarem o melhor e o pior do caráter de cada um. As longas conversas da madrugada são uma fonte infinita de prazer para este tipo.
Tanto tipo 1 quanto o 2 vai formando sua rede de simpatias e antipatias. Estes espectadores têm algo em comum: demoram a fechar questão em torno de um preferido. Tanto quem assiste pela diversão quanto pelo, vamos chamar assim, enriquecimento espiritual costuma ter mais de um favorito.
Um terceiro tipo é o que elege rapidamente o seu preferido. Como isso ocorre às vezes é um mistério. Pode ser uma característica do perfil do participante, um sentimento de afinidade ou uma identificação. Este tipo, claro, logo localiza os que escolheram o mesmo objeto de torcida. E juntos eles se tornam o tipo mais barulhento de espectador.
Por fim, um quarto tipo muito nítido, com presença maior nos últimos anos, é o que enxerga o reality show da Globo como uma arena política. É um balaio com gente de diferentes visões e tendências, que luta para associar determinados participantes a certas causas.
As redes sociais ajudaram a organizar melhor tanto o terceiro quanto o quarto tipo de espectador. Houve uma época em que o BBB era acompanhado com afinco por comunidades do Orkut (e foi lá que Marcelo Dourado encontrou o apoio inicial para vencer o BBB10). Foi substituído pelo reality que é debatido no Twitter - e tem sido ali que o programa acontece de verdade.
O arquiteto Prior, desde o início, agradou ao primeiro tipo e com o tempo conquistou, também, o terceiro tipo (ganhou um fã-clube). Tão arrojado quanto desastrado, grosseiro com as mulheres, Prior se meteu nas mais variadas confusões. Mostrou um excesso de confiança na medida ideal para cometer erros.
Já a cantora Manu começou com o apoio do terceiro tipo de espectador, os amigos famosos e o grande fã-clube que já tinha antes de entrar no programa. E foi para eles que Manu jogou por mais de um mês - com vídeos diários no Instagram, venda de ingressos para shows no segundo semestre e comentários irônicos dentro do BBB.
Mas houve uma novidade que, acho, explica este recorde de votos. O isolamento forçado do brasileiro, por causa da pandemia de coronavírus, transformou o "BBB 20" no único programa de entretenimento ao vivo no ar, na última alegria do brasileiro.
Novos públicos voltaram os seus olhos para o "BBB20": jogadores de futebol, militantes políticos, oportunistas de diferentes espécies, gente sem nada melhor para fazer.
Como escrevi no UOL, para muitos brasileiros, votar em Prior ou Manu foi equivalente a bater panela na janela, gritar contra esta quarentena forçada, contra o medo de ficar doente, contra o mau humor, contra ou a favor do presidente. Prior e Manu tiveram pouco ou nada a ver com isso. |
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