Minha versão carioca é atrasada, mas a culpa não é minhaNo Rio de Janeiro quase ninguém deixa a esquerda livre. Não falo de política, mas das escadas rolantes mesmo. Missão quase impossível sair do metrô rapidamente em dias de atraso. Todo mundo fala do mau atendimento, mas esse ponto anda de mãos dadas com ele na tradicional comparação generalista com São Paulo: ao contrário da megalópole workaholic onde a eficiência talvez seja o valor supremo, o Rio parece dizer em meio ao caos: “Só quero chegar ao fim do dia e tomar minha cervejinha”. Há pouco lugar pra pressa por aqui - em alguns casos, literalmente, já que sobra pouco espaço pra um corpo apressado. Quer subir as escadas rolantes correndo, depois de 10 minutos de metrô parado numa estação por razões desconhecidas? Boa sorte. O congestionamento de pedestres em Copacabana, por exemplo, é um clássico. Dizem os memes (e vocês sabem que os memes tudo sabem) que tem sempre uma pessoa idosa andando em câmera lenta ou ocupando a calçada enquanto bate papo com o dono de uma resistente banca de jornais (que claramente não vive da venda de jornais). Aqui na minha bolha Glória-Catete, em horário de rush de pedestres, também é difícil remediar a demora pra sair de casa com uma corridinha até o destino. Entre um passante e outro tem shopping chão*, senhores jogando carteado numa mesa-caixote, cocô de cachorro, gente catando cocô de cachorro (amém), lojas que espalham seus cabides de roupas do lado de fora, vendedores de pipoca e sopa e hambúrguer e kebab e churros e gadgets made in China e tapioca e verduras e água de coco e pano de chão e pamonha ruim e plantas e chinelos e refis de alças pra chinelos quebrados, um garçom equilibrando em uma mão oito chopps nevados pra clientes sentados do lado oposto da calçada, um cara tocando violino e outro que vende comida que devia estar refrigerada e certamente é carga roubada. Adoro todos eles (exceto o moço da carga roubada, talvez), mas fato é que é desafiador sair sem tempo de sobra e chegar na hora. Mas quem disse que precisa? Dificilmente algum evento começa quando deveria começar; com exceção de peças de teatro, o horário previsto costuma ser uma sugestão. Até as mais variadas aulas que já fiz quase sempre começam com atraso e podem se estender muito além do horário final sem nenhum comentário. Quando me esforço pra ser pontual, me resta esperar. Pelo menos o visual ao redor geralmente é bonito. Não me entenda mal: ao contrário daquela música irritante, nenhuma queixa aqui. Tampouco vim elaborar um ensaio sobre as diferenças na concepção do tempo em diferentes culturas, o equilíbrio entre o respeito ao tempo alheio e a espontaneidade, estereótipos sobre cidades ou os privilégios que me permitem viver esse Rio específico desse jeito específico e não outros tantos. Só vim dizer que não tem muito espaço pra pressa no meu Riozito, mas bem que eu gosto. É que assim vai encolhendo o espaço da pressa dentro de mim. *comércio informal de antiguidades e trecos aleatórios de segunda mão que ocupa calçadas de bairros como Glória e Lapa (olha a preciosidade que é esse Airbus da Barbie)
A parte 2 desta cartinha não tem nada a ver com a parte 1. Vamos fingir que estamos numa mesa de bar pulando entre assuntos sem pudor, combinado? Combinado. Na última ida ao Recife, trouxe da casa de mainha alguns livros que deixei por lá, incluindo “O Caminho do Artista”, de Julia Cameron, e “A vida é o que você faz dela: conselhos para pessoas criativas”, de Adam J. Kurz. O primeiro é mais conhecido; li em 2021 fazendo a maioria dos exercícios propostos e recomendo muito. O segundo é um livro pequenino que parece feito pra ser aberto em páginas aleatórias, tipo um oráculo. Comprei a versão original em NY em 2018 e na época não achei tradução no Brasil, então fiz um post no blog resumindo alguns dos seus principais conselhos. Hoje existe a versão brasileira Conselhos pra empreendedores criativosSim, você consegue fazer issoUm dos medos mais comuns do mundo é aquele que nos diz, em forma de vozinha interna, que não somos capazes de fazer algo que é novo pra nós. Mas como você sabe que não consegue se ainda não tentou de verdade? A real é que quase ninguém sabe muito bem o que danado tá fazendo, e tá tudo bem. Muito do que a gente faz é aprendido durante o caminho. Todo mundo começou de algum lugar e todo mundo tá aprendendo constantemente. Antes de determinar que não é capaz, experimente tentar. O fracasso é, sim, uma opçãoSabe quando aquela galera das vibes motivacionais diz que “fracassar não é uma opção”? Na verdade é, sim. É, aliás, uma das principais opções na maioria das situações. Em vez de mentir pra si mesmo sobre essa possibilidade, escolha se preparar pra o que vier e aprender com a experiência. Sim, aquele projeto pode não sair como você imaginou. Mas você vai dar seu melhor de todo jeito, torcer pra dar certo e entender que o fracasso também faz parte do processo. Sua vida criativa é uma jornada e cada passo ajuda a te levar adiante, seja como for. Você não tem que ser bom em tudoMesmo o maior dos alecrins dourados nunca vai ser o melhor em tudo, né? E isso não é fraqueza, é autoconhecimento. Hoje em dia se valoriza muito o profissional Ser legal não é uma fraquezaVocê sabe como a vida pode ser difícil, né? Mas aposto que às vezes esquece que todo mundo também tá lidando com umas merdas (apesar de o Instagram nos iludir do contrário). Então por que não ser uma versão mais positiva de si mesmo sempre que possível? Ser gentil e generoso não é um sinal de fraqueza, nem significa que você é ingênuo ou otário. Ver os outros como colaboradores e não competidores pode gerar relações de confiança e te fazer crescer. Celebre cada conquistaAs vitórias vão muito além do que é reconhecido socialmente como tal. Tem gente que me fala em coragem por fazer certas coisas que nem acho nada de mais porque já naturalizei, mas parecem uma montanha enorme pra outros. Da mesma forma, coisas que muita gente faz sem dificuldade me dão medo em oitocentos níveis. Não se esqueça de dar valor a cada batalha vencida - só você sabe o peso que elas têm. Não se compareÉ normal se comparar a outros artistas, profissionais ou empreendedores, especialmente do mesmo nicho. De certa forma, isso pode ser útil, porque nos faz aprender com os erros e acertos alheios e pode dar aquele empurrãozinho pra chegar aonde queremos. Mas também pode se tornar algo nocivo. Tá perdendo tempo checando a quantidade de seguidores ou o número de jobs ou de vendas de fulaninho? Pare e foque no seu. Você tem seu contexto, sua história, suas prioridades. E uma pilha de coisa pra fazer em vez de perder tempo olhando pro coleguinha, né? Além disso, se bater uma invejinha ao ver que alguém da mesma área está se dando muito bem, fique feliz por saber que o que vocês oferecem é atraente pra o mercado e tá ganhando reconhecimento. Trabalhe colaborativamenteTrabalho sozinha na maior parte do tempo e isso não me incomoda, mas é impressionante a energia instantânea que rola quando me envolvo num projeto com alguém com boas ideias. Combinar vários talentos e referências nos permite chegar muito mais longe, especialmente quando se trata de pessoas que compartilham de uma mesma visão. Respeite suas verdadesA internet nos mostra que nenhuma experiência é individual, né? Desde as comunidades do Orkut que nos fizeram descobrir que aquele gosto super específico e esquisito que pensávamos ser só nosso na verdade era compartilhado com outras 39.485 pessoas. Ainda assim, só você é você. E apesar de termos a tendência de querer nos sentir “encaixados” na sociedade, é importante valorizar o que nos faz únicos. Os algoritmos dificultam essa parte, mas Kurz defende a autenticidade: em vez de tentar anular suas características pra encaixar em algum molde, seja pessoal e apaixonado, e provavelmente vai acabar achando sua turma. Uma boa semana e boas viagens pra dentro e pra fora, 🧡 Luísa You're currently a free subscriber to Abra suas Janelas. For the full experience, upgrade your subscription. |
terça-feira, 21 de janeiro de 2025
Uma versão mais atrasada de mim
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