O poder da escolhaAlgoritmos e leite condensado, manipulação e boicotes, reality shows e o Dia Mundial da Dança.Já faz quase 15 anos que eu entrei no Twitter, e minha participação lá tem duas fases. Uma bem viciada logo no começo, numa era pré-Instagram, e outra que se consolidou só de um ano para cá, quando o Instagram e o Facebook se tornaram insuportáveis. Entre elas tem um gap de uns quase 10 anos, e uma diferença crucial. Quando o Twitter começou, ele não usava essa arma moderna chamada algoritmo. O Instagram também não. A vida era boa e a gente não sabia. Eu chamo os algoritmos de arma porque essa ferramentazinha difícil de compreender é o trunfo que todas as big-techs tem para nos transformar em um zumbis-craqueiros deles. As companhias vestem o dito cujo com um manto do bem-estar da vida moderna: ‘o algoritmo aprende a te trazer o que você quer ver’. Eu acho engraçado que nunca me foi perguntado nada sobre isso. Essa semana eu quero ver vídeos de gatos fofos fazendo palhaçada. Semana que vem, talvez eu queira ver esteticistas tailandesas espremendo cravos bizarros. Mas eles já me rotularam de amante de gatinhos, e agora é só isso que me vem. No Twitter, nos tempos áureos, as atualizações eram por ordem cronológica, então existia uma construção de narrativas entrelaçadas interessantíssima. Hoje eu só vejo os mesmos 5 amigos reclamando dos mesmos reality shows. Quem disse que é isso que eu quero? Parece que essa manipulação das massas é coisa da modernidade, da era digital. Mas ela está presente nas nossas vidas há muito tempo, e a gente nem se dá conta. Ela inclusive está nos sacaneando mesmo quando não temos nem um celular na mão. Somos muito influenciáveis através dos nossos sentidos, e o capitalismo selvagem aprendeu a usar essa nossa falha de sistema contra nós. Nos anos 60, surgiram no Brasil as primeiras fórmulas para bebês, e elas desbancaram o alimento número 1 em consumo depois do peito das mães: o leite condensado. Essa iguaria tão conhecida da nossa (falta de) dieta precisou se reinventar para continuar a ser vendido. A Nestlé, maior produtora do país, fez um trabalho tão minucioso e sorrateiro para mudar a percepção das donas de casa sobre o produto, que acabou por mudar (para pior) toda a confeitaria brasileira. Nós, que tínhamos uma tradição forte de doces portugueses, com influência africana, italiana, alemã, japonesa…, nos rendemos a uma confeitaria baseada absurdamente no leite condensado. Somos o maior consumidor do mundo! E claro que isso tem consequências drásticas na qualidade da nossa alimentação, no nosso paladar, e por aí vai. A genial Elaine de Azevedo, socióloga especializada em ecologia e alimentação, tem um episódio do seu podcast fenomenal Panela de Impressão sobre a manipulação do nosso consumo nos supermercados. As seções são dispostas de forma a te fazer ficar com fome, a música varia de acordo com o público principal do horário, até aquele maldito túnel de ovos de chocolate na Páscoa é baixo para te faz reduzir o passo e demorar mais lá dentro. São infinitos os truques visuais usados para nos fazer gastar mais do que precisamos. Os shoppings (ugh!) também tem uma série de artimanhas arquitetônicas para te prender lá dentro. A falta de janelas te faz perder a noção da passagem do dia, e por conseguinte do tempo que você está lá dentro. Os corredores são todos iguais para você se perder, e demorar mais para achar o que procura. As escadas rolantes tem as entradas e saídas invertidas de andar para andar, te forçando a circular mais. E até aquele chão lustroso é pensado contra você - é propositalmente escorregadio para você andar mais devagar. Quando mais pesquiso sobre isso, mais vejo quanto estamos sujeitos a não escolher nada. É horrível constatar que nossa sensação de controle sobre nossas vidas é tão fraudada. Mas o bom de abrir os olhos é conseguir agir contra tudo isso. É fazer melhores escolhas, é não se deixar levar por truques baratos e consumir só que realmente precisamos, é saber exatamente o que se está comprando. A maravilhosa Rita von Hunty deu um baile de informações sobre consumo no novo programa de TV do star-couple brasileiro Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert (a cara da Fernanda quando ouve que os ‘hábitos saudáveis’ dela não vão mudar o mundo é impagável!). E como fazemos para combater esse jogo de domínio das grandes empresas sobre nós? Gosto muito de uma das poucas armas que temos, nós consumidores, para lutar contra essa palhaçada: boicote. Já falei sobre isso aqui na newsletter, e continua valendo. Para cobrar mudanças reais de comportamento de empresas, só mesmo quando dói no bolso. Aqui em casa várias marcas grandes de bebida e comida não entram. Produtos de higiene, só as que não testam em animais. E claro, vale sempre a máxima: consumir do pequeno, que provavelmente tem um produto infinitamente melhor, e ainda participa de uma cadeira econômica local e saudável. Mas o algortimo, como faz? Esse eu ainda não sei. Se alguém puder me ajudar a hackear os algortimos, eu agradeço. Enquanto isso, vou ali ficar vendo os meus 5 amigos falando de paredão de BBB. Falando em reality show, essa história é muito boa: um garotão bonito russo entrou para um programa chinês que formaria uma nova boy band. Ele só não sabia que no confinamento ele viveria uma vida quase de escravo, com trabalho em horas mais que excessivas, entre ensaios, gravações e tudo mais. Para não ter que pagar uma multa absurda por quebra de contrato, ele começou a pedir encarecidamente para os espectadores votarem para ele sair. Resultado: ele ficou até a final, trancafiado. Para quem é dos programas de TV, novelas e popismos afins, a newsletter do Rodrigo Guarizo é uma maravilha. A 0,3% (Três Décimos) ainda traz novidades musicais e curiosidades que você não precisa mas quer saber. Assine. Dia 29, na última quinta-feira, foi o Dia Mundial da Dança. Mas enquanto a gente segue trancado em casa, sem poder se juntar com os amigos para chacoalhar o esqueleto, resta dançar sozinho na sala, ou assistir aos outros dançando. No ano passado, o diretor Manuel Nogueira dirigiu um curta com artistas do Balé da Cidade de São Paulo, que mostra a angústia do confinamento e a impotência do ser humano frente à pandemia. Tudo filmado remotamente, cada um dos 18 participantes sozinho em casa. Assista ‘Agon'. E também tem espetáculo de dança imperdível na programação d’As Boas do Fim de Semana. Tem também muito show, tem muita música, tem exposição, comprinhas, comes e bebes, tudo com apoio Jack Apple. Tem muita diversão, mas sem sair de casa, ok? Ainda não é a hora. ;-) *Foto de capa: John Cameron @ Unsplash Comentários, elogios, sugestões, críticas e conversas aleatórias, mande um email para nós: hello@chickenorpasta.com.br Se você gostou da nossa newsletter Chicken Wings, compartilhe com os amigos! |
sábado, 1 de maio de 2021
O poder da escolha
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