Em 2012, a Shoot lançou o projeto Que Ônibus Passa Aqui?, uma campanha para sinalizar colaborativamente os pontos de ônibus de Porto Alegre. Na época, os pontos da cidade não possuíam nenhuma informação sobre as linhas de ônibus que passavam em cada um. Ou seja, se você chegasse num ponto sem saber quais linhas passavam ali, só restava perguntar para outra pessoa ou olhar no celular. A ideia ganhou muito mais repercussão do que a gente inicialmente imaginou, não apenas sendo replicada por pessoas voluntárias em mais de 30 cidades, aparecendo em tudo que era jornal e ganhando um prêmio do The Guardian, mas também virando um projeto oficial da Prefeitura de Porto Alegre, que num primeiro momento adotou os adesivos e dois anos depois começou a instalar placas de metal nos pontos. Muita gente só conhece a Shoot por causa desse projeto, e até hoje quando falo dele as pessoas reconhecem na hora. Não querendo ser arrogante aqui, mas pelo tamanho da repercussão que essa ideia teve, podemos afirmar que eu, Gi e Gab (parceiros da época na Shoot) temos algo parecido com um bestseller nas nossas carreiras. Uma obra que destoou das demais, atingindo um patamar de público que nos colocou em evidência e nos jogou para um âmbito de pessoas reconhecidamente criativas. A Shoot na época era um projeto paralelo e a gente realizava as ideias quando as tinha e quando o tempo permitia. Lembro que era um processo bem simples, e conseguíamos fazer isso com uma certa periodicidade. Mas, depois de fazermos o Que Ônibus Passa Aqui?, pelo menos pra mim, ficou muito mais difícil tirar algo do papel. Internamente, o sarrafo havia subido muito, e um novo filtro - vamos chamá-lo de "filtro do sarrafo alto" - passou a tomar conta do meu cérebro. Um filtro que matava qualquer ideia que não fosse boa o suficiente como a que recém havia ganhado a imprensa. O cérebro de quem trabalha com criatividade já é ótimo em listar problemas cada vez que pensamos uma ideia nova. Com a mesma velocidade que nos empolgamos com um insight, também nos sentimos inseguros, bestas e incapazes em questão de minutos. Muitas ideias morrem porque o nosso filtro default as mata antes mesmo delas irem parar num bloco de notas. Depois de uma ideia fora da curva então, o filtro do sarrafo alto ganha muito mais força. Ou seja, a nossa próxima ideia precisará contar com muito mais energia para nascer, pois o obstáculo agora é muito maior. Isso aconteceu comigo algumas vezes, mesmo em situações menores. Quando uma tirinha ganhava mais likes que o normal, parir uma nova já era bem difícil. Quando uma newsletter fica boa e recebe várias respostas, mesma coisa. A pressão aumenta e a confiança criativa vai lá pra baixo. Talvez isso aconteça porque vivemos numa sociedade onde o pensamento linear é o predominante. Seguimos uma linha lógica e o crescimento é a métrica que dita esse caminho. O normal é pensarmos que tudo cresce. O currículo. O tamanho do apartamento. O salário. As polegadas da TV. O PIB. O carro. A qualidade do celular. Mas a criatividade não. Ela, mesmo praticada e exercitada à exaustão, ainda sim não é linear. Podemos ter uma ideia genial hoje, mas nada garante que vamos ter uma ideia genial amanhã. Ou daqui a 6 meses. Nada. Não há garantias. Daí fico pensando como deve ser para essas pessoas que realmente escrevem um bestseller ou um filme que ganha o Oscar. Voltar pro trabalho deve ser bem foda. A expectativa vai nas alturas. O filtro do sarrafo alto deve comer noites de sono de artistas. No fim das contas, a Shoot continuou fazendo ações. Nenhuma bateu a que citei acima, mas à medida que botávamos mais ações na rua, esse sarrafo ia perdendo força. A pressão diminui. Ela não sumiu, mas é bem menor. Pelo menos no meu caso. Tive que aprender a conviver com essa pressãozinha (que também tem seu lado positivo ao nos desafiar a fazer algo ainda mais massa). Pra você aí que também trabalha numa carreira onde a criatividade é a matéria-prima, o que posso dizer é que a parada não é linear. Vai ter semana boa, vai ter semana ruim. Cabe a nós continuar tentando, trabalhando, criando, tendo em mente que a próxima ideia pode ser a mais foda da vida. Talvez ela seja. Espero que gostem dos links. - Dificuldades no trabalho remoto? Aqui na Shoot a gente já tem uma bela experiência no assunto e separamos algumas dicas para ajudar pessoas a deixar ainda melhor esse formato de trabalho. - O Trello também separou umas dicas legais para o trabalho remoto. - Como transformar pequenos negócios a favor de um mundo novo? Achei bem interessante esse guia da Inesplorato para ajudar empresas a repensar certezas. - "Nós não vamos voltar para o normal", e a possibilidade do distanciamento social ficar mais tempo do que gostaríamos. - Dois dias atrás participei como palestrante do primeiro Fuckup Nights versão Brasil. Por causa do distanciamento social, todos os capítulos do evento se juntaram e fizeram uma versão online. Eu, Murilo Gun, Vânia Ferrari e Thalita Gelenske compartilhamos fracassos e o que aprendemos com eles (a minha palestra é a segunda e tem só 10 minutinhos). Tá todo mundo bem? <3 |