O número de mulheres candidatas nas eleições desse ano é o maior entre as últimas três eleições gerais, de acordo com os registros no TSE. Mas espera. Não tem muito o que comemorar, não. 2014: 8.139 2018: 9.221 2022: 9.353 Esse número representa 33,27% do total de candidaturas. Ou apenas 3,27% além da cota obrigatória para os partidos. Nesta semana, o Tenda das Candidatas, um projeto que capacita mulheres para a política eleitoral partidária, em parceria com a Gênero e Número, organização que produz e distribui jornalismo orientado por dados e análises sobre questões urgentes de gênero e raça lançou a campanha #AContaNãoFecha, pra ajudar a divulgar esses dados tão desiguais da representatividade nas eleições, conscientizar eleitores sobre a importância do voto nas minorias representativas e ajudar mulheres candidatas a negociar recursos de financiamento de campanha com o partido. Fizeram até uma cartilha pra orientá-las nessa negociação: para garantir que o mínimo de 30% dos recursos públicos eleitorais para campanhas de mulheres seja distribuído proporcionalmente e que chegue a tempo de executar a campanha. E, ao fim, garantir que mais mulheres sejam eleitas. A pergunta que não quer calar - por que, afinal, há tão poucas candidatas? Aqui vão algumas respostas.Mulheres parecem concorrer a cargos políticos à revelia de seus partidos. Quem diz isso são os próprios candidatos. A Pesquisa Mulheres na Política, realizada pelo DataSenado neste ano, entrevistou candidatos e candidatas às eleições de 2020 e constatou que: - Depois da experiência de concorrer às eleições, 66% acreditam que os partidos não fornecem condições iguais de concorrência para homens e mulheres.
- 80% delas acreditam que o ambiente político favorece mais os homens. 55% dos candidatos masculinos concordam.
- Depois de concorrer às eleições, 49% das mulheres tentarão novamente, contra 70% dos homens. O principal motivo de desistirem, entre mulheres, é a falta de apoio dos partidos. "Para algumas mulheres, a experiência é traumatizante", diz Hannah Maruci, doutoranda em ciência política pela USP e diretora da Tenda de Candidatas.
- 32% das mulheres afirmaram já terem sido discriminadas no ambiente político por causa do seu gênero - contra 10% dos homens.
Ou elas são simplesmente convocadas para preencher as cotas. Em 2009, foi criada uma cota de candidaturas femininas, 30% para cada partido. Foi quando se intensificaram as candidaturas laranja - registros de fachada de mulheres que entravam na eleição, mas sem a intenção de vencer. Em 2018, foi preciso que o Tribunal Superior Eleitoral estabelecesse que os partidos também deveriam destinar, no mínimo, 30% de seus recursos do fundo partidário para as campanhas de candidatas.
É preciso ter 30% de candidatas, mas os 30% da verba de campanha obrigatórios não precisam ser distribuídos igualmente entre elas. Na prática, os recursos podem acabar concentrados em pouquíssimas mulheres, especialmente as que já têm grande visibilidade. Ou nas vices - quase a maioria das 52% de candidatas que aparecem nas disputas para os governos estaduais. O dinheiro é destinado à candidata, mas o investimento vai para a chapa. Para ser eficaz, mesmo uma campanha de baixo custo requer gastos e equipe mínima (coordenador de campanha, estrategista de marketing e redes, articuladores políticos, planejadores...) para causar algum impacto. Impossível garantir tudo isso só com voluntários ou crowdfundings. Quando eleitas, há proporcionalmente menos chance de ocupar cargos estratégicos nas estruturas legislativas, como a Presidência das Casas, as lideranças de bancadas ou o comando de comissões permanentes. Um estudo mostra que, proporcionalmente, projetos de lei de mulheres têm menos chance de serem aprovados. "Vira um ciclo vicioso. As mulheres não conseguem mostrar para o eleitorado o que elas fazem. E nas próximas eleições, com pouco financiamento de campanha e menos mulheres candidatas, a tendência é que o eleitor vote menos ainda em mulheres", disse ao UOL Joyce Luz, autora da pesquisa e professora da FESP-SP. E ainda é preciso conviver com a violência política de gênero. "Eu estava de costas, só senti a mão dele escorregar na minha lateral. No momento em que eu senti, virei e falei para ele: 'Quem você acha que você é? Você está louco? Passar a mão em mim assim?'" - essa foi a deputada estadual Isa Penna (PSOL), narrando o episódio de assédio de que foi vítima. Em plena sessão da Alesp (Assembleia Legislativa do Estados de São Paulo), o deputado estadual Fernando Cury se aproximou por trás de Isa, colocou e manteve as mãos em sua cintura, na altura dos seios. O fato aconteceu em dezembro de 2020 e foi registrado em vídeo. Só em novembro de 2021 Fernando foi expulso do partido. Isa está longe de ser a única vítima: ao ponto de o Observatório de Violência Política Contra a Mulher ter publicado uma cartilha de 15 páginas, com o apoio do TSE, com esclarecimentos e orientações sobre o tema - na pág. 6, está reconhecido como violência política de gênero a "não destinação de recursos públicos dedicados às campanhas femininas". É verdade que causas de interesse das mulheres têm conquistado espaço nas casas legislativas do país. Em 2021, foram apresentados 555 projetos sobre direitos das mulheres no Congresso Nacional - 244 deles sobre violência. Mas (sim, sempre tem um mas) boa parte deles se preocupa com a criação de mais tipos de penas, também por influência de uma bancada de parlamentares ligados à segurança pública. No entanto, sabemos que o problema da violência contra a mulher precisa de um olhar mais amplo, principalmente pela perspectiva da educação. Olhar esse que certamente seria coberto pela presença de mais mulheres entre os fazedores de leis. Faz diferença, sim... Uma pesquisa apontou que a eleição de uma prefeita ou de um percentual maior que 20% de mulheres nas câmaras municipais ou mais de 10% nas câmaras estaduais, tem relação direta com a redução da mortalidade de crianças abaixo de cinco anos. Os autores argumentam que mulheres são geralmente mais propensas que os homens a apoiar programas sociais. Quando há mais mulheres, há menos corrupção. Essa é a conclusão de um estudo publicado num jornal científico chamado Journal of Economic Behavior & Organization, em 2018. Mulheres têm um impacto negativo na corrupção de um país quando estão representadas nos parlamentos e na execução de políticas públicas. O levantamento foi feito em 125 países, incluindo o Brasil. Eleger uma única mulher não vai resolver todos os problemas do país. Mas, quando (e se) grupos menos representados nos espaços de poder político alcançarem patamares que espelhem a população - a do Brasil tem 51,1% de mulheres; 29% de mulheres negras, há esperança de que ficaremos mais próximos da busca por um bem coletivo. "As leis de cotas para mulheres parecem ter criado um teto, e não aberto caminhos", avalia Hannah Maruci. É f... enfrentar o cenário das eleições no lugar de uma mulher. Mas pode valer a pena. |
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