Entre as tarefas do crÃtico de televisão está a de explicar por que determinado programa, mesmo apresentando muitos problemas, é tão apreciado pelo público. Apontar os defeitos é parte do trabalho. Mas é preciso ir além.
Costumo resumir o trabalho do crÃtico por um conjunto de tarefas, a saber: entender as intenções, avaliar os resultados, enxergar os méritos, lançar luz sobre os defeitos e conseguir explicar com clareza o que é digno da atenção do espectador.
A novela "Fina Estampa" foi objeto de muitas crÃticas na época de sua exibição original, em 2011. Agora em 2020, o barulho voltou, mas maior, amplificado pelo Twitter, após a novela de Aguinaldo Silva ter sido escolhida para substituir "Amor de Mãe", cujas gravações foram suspensas por causa da pandemia de coronavÃrus.
"Fina Estampa" foi ao ar originalmente após "Insensato Coração", de Gilberto Braga e Ricardo Linhares, e tinha como missão levantar a audiência do horário, que estava acomodada na faixa de 35 pontos. Conseguiu: a trama teve média de 39 pontos.
Após o primeiro capÃtulo, escrevi: "Depois de uma novela muito distante da realidade, com um protagonista que não trabalhava, duas herdeiras e três vilões psicopatas, a Globo apresenta agora uma trama destinada a colocar no centro do palco o que ela imagina ser a nova classe C do paÃs".
Referia-me a Griselda, ou Pereirão (Lilia Cabral), claro, a grande personagem da trama, uma mulher batalhadora, ética, responsável pela manutenção de uma famÃlia grande e orgulhosa de colocar um dos filhos numa faculdade de medicina.
Em oposição a Griselda, o autor criou uma vilã de desenho animado, Teresa Cristina (Christiane Torloni), apoiada por um núcleo de humor, liderado pelo mordomo Crô (Serrado), usado para contrabalançar a postura politicamente correta da heroÃna.
Como apontou o colunista Fefito, do UOL, são muitos os preconceitos e problemas reiterados por alguns personagens. Concordo, mas acho importante observar que isso ocorre quase sempre em chave cômica, de alÃvio narrativo. Soa velho e ultrapassado? Sim. Mas está em linha com a representação caricata de homossexuais em várias outras tramas de Aguinaldo.
Acho que o grande mérito de "Fina Estampa" é este equilÃbrio entre a postura exemplar da heroÃna e o nonsense da vilã, entre o discurso de "empoderamento", como diz hoje, e a diversão.
Não acho que o sucesso de "Fina Estampa", repetido em 2020, se explique pelos seus problemas, que são muitos. Mas sim porque a sua mensagem continua atual e estimulante num momento como este hoje. |
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