A semana da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) foi digna da reta final de uma novela. A lei, cuja vigência original estava prevista para o começo deste ano, mas tinha sido adiada formalmente para 14 de agosto, teve seu futuro decidido entre terça (25) e quarta-feira (26), com a votação da medida provisória (MP) 959/2020 nas duas casas do Congresso. Segundo o Senado, a lei passará a valer a partir de sanção presidencial, que deve ser feita em até 15 dias. Antes de chegarmos à s reviravoltas que ocorreram no meio da semana, um breve histórico da LGPD merece dois parágrafos. Sancionada em 14 de agosto de 2018 por Michel Temer, a lei previa originalmente 18 meses de adaptação para que empresas e órgãos governamentais entrassem em conformidade com as exigências de proteção de dados dos cidadãos brasileiros. Este perÃodo foi estendido por outros seis meses no fim de 2018. Expedida em abril deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a MP 959 previa que a LGPD entrasse em vigor somente em maio do ano que vem. O argumento para o (novo) adiamento era que empresas teriam problemas para se adaptar durante a pandemia, gerando insegurança jurÃdica. A MP ficou vigente por 120 dias, esgotados na última quarta-feira. Se o Congresso não votasse a medida, ela caducaria e a LGPD entraria em vigência. O Legislativo votou o texto aos 45 minutos do segundo tempo, com direito a gol de virada nos minutos finais. O que rolou?A ideia era votar a MP 959 com um pouco mais de folga, o que fez com que ela entrasse na pauta da Câmara na terça-feira da semana passada (18). Por falta de acordo entre os deputados, ela foi retirada das discussões. Não se chegou a uma definição até o fim da semana passada, somente na última terça: - Foi anunciado que havia acordo entre partidos, o que motivou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a colocar a matéria para votar. Houve pressão...
- ... para a remoção do artigo 4º da MP, o único a tratar da LGPD. A oposição tentou por duas vezes suspender a votação, enquanto o texto do relator suprimiu o artigo. Porém...
- ... foi acatada uma emenda do "meio termo", que adiava a vigência da LGPD para dia 31 de dezembro. Foram estes os termos da aprovação na Câmara, que...
- ... mandou o texto para o Senado votar na quarta-feira, data-limite para a MP. Lá, o relator havia mantido as sugestões da Câmara, mas...
- ... uma questão de ordem foi apresentada e acatada por todos os senadores, que votaram em unanimidade pela vigência imediata -- afinal já haviam discutido a matéria extensamente. A única pendência que ficou é a sanção presidencial.
Por que é importante?A decisão é um marco na proteção de dados dos brasileiros, pois a LGPD chega para uniformizar o código legal nacional sobre o tema, antes disperso entre leis como o Marco Civil da Internet e o Código do Consumidor. A nova lei também coloca o paÃs ao lado da vanguarda mundial da proteção de dados, detalhe importante do ponto de vista econômico, especialmente para empresas que tratam de informações de europeus, protegidas pelo GDPR (Regulamento Geral de Proteção de Dados). A LGPD dá proteções aos cidadãos em casos de vazamentos de dados, assim como empodera-os na relação com empresas e órgãos governamentais, que serão obrigados a adotar práticas mais transparentes no tratamento de informações pessoais. Sabe quando você dá o CPF para ganhar desconto na farmácia? A pessoa do caixa vai ter que te explicar porque pede aquilo, como aquela informação é usada pela empresa, assim como você terá o direito de pedir que dados a empresa tem sobre você. No contexto da pandemia, inclusive, esses direitos ganharam importância. Como explica Danilo Doneda, advogado e professor do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público): "[A pandemia] não só tornou mais urgente [a vigência da LGPD], mas escancarou que as pessoas precisam de alguma coisa que regulamente uso de dados. Todo mundo está interagindo por meio de dados. Se você não tiver garantias, você está danado, perdido. A LGPD não só dá limites, em alguns casos vai ser um instrumento importante para autorizar e tornar mais seguro o uso de dados", explicou. Não é bem assim, mas está quase láEmbora especialistas e ativistas celebrem a vigência iminente da LGPD, eles entendem que o simples fato de a lei entrar em vigor é uma obra incompleta, principalmente pela ausência de uma ANPD operante. A autoridade foi pensada como o "xerife", o órgão técnico e especializado é o único autorizado a multas previstas na lei (adiadas para agosto de 2021), mas que também terá como papel dar parâmetros de como interpretar o texto. A falta da ANPD fez com que o Executivo se mexesse para tirá-la do papel, embora já pudesse tê-lo feito antes. O fato de ela não existir, porém, gera uma preocupação justificada de insegurança jurÃdica, como explica Diego Gualda, sócio de tecnologia do Machado Meyer Advogados. "Tem mais de 50 itens que a ANPD deveria regulamentar. Se a gente tivesse o órgão funcionando, ele poderia disciplinar e criar salvaguardas para as empresas num momento de depressão econômica. Os processos de adequação [à LGPD] não são baratos. Você soma tudo isso, tem uma situação de insegurança jurÃdica bastante grande da aplicação da lei", explicou Gualda. |
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