Uma boa viagem é como um poema: ilumina as belezas e dores que moram dentro e fora da gente, afoga nossas certezas em um mar de perguntas e faz do que parece inútil coisa de extrema importância. Rabisquei isso esses dias, entre leituras e conversas com um ponto em comum: a desumanização do nosso cotidiano. Afinal, até nosso tempo de lazer e descanso existe em função do trabalho e do consumo. As férias servem pra movimentar uma indústria e pra nos ajudar a fugir temporariamente de um dia a dia exaustivo ou frustrante, só pra retornarmos à rodinha de hamster com um pouco mais de energia pra produzir lucro. Que massa seria se todo mundo pudesse ir além disso, nas viagens e fora delas, né? Coletivamente, acredito que podemos mudar as estruturas que nos fazem viver assim, mas isso é outra (importantíssima) conversa. Individualmente, penso que uma boia de salvação fundamental pra esse mar de aridez é a poesia. É ela que tem me ajudado a sentir que estou vivendo, e não só sobrevivendo, enquanto passo a maior parte do tempo "presa" em casa nessa pandemia. E quando falo em poesia não me refiro só às leituras e escrita propriamente ditas, que têm sido mais frequentes em algumas fases que em outras, mas principalmente desse poemar-se que nos ajuda a entender que o mais importante na vida não tem serventia. Aliás, procurei a palavra "serventia" no dicionário e ele me contou que é "qualidade do que serve, utilidade"; e também "servidão, escravidão". O que ele não conta é que somos escravos do utilitarismo, buscando em tudo um propósito. O próprio dicionário, aliás, dá utilidade às palavras; tem serventia de significados. Mas convenhamos: não faz muito por quem procura um sentido. É na poesia – aquela que a gente lê e a que acontece quando a gente olha o mundo como quem mergulha – que as palavras se transformam em perguntas, sem objetivo certo. E nos libertam. Você tem conseguido ver o mundo com olhos de poesia, mais que de serventia? A quem interessar, recomendo duas oficinas de poesia que fiz nos últimos tempos e devem ter novas turmas em breve: Mulheres que escrevem a poesia contemporânea, com Taís Bravo do ótimo Mulheres que Escrevem, e Poesia se faz ao caminhar, com minha conterrânea Katarine Araújo. "A poesia não salva o mundo. Mas salva o minuto" – Matilde Campilho O que tem rolado por aqui O blog tá num hiato enquanto finalizo o livro, mas tou lá no Instagram, onde falei sobre nossa mania de nos justificar quando falamos de algum hobby em que não somos "excelentes" (e quem mede isso?); contei 6 curiosidades muito legais sobre a Finlândia, país onde passei um mês há três setembros; comentei algumas pequenas grandes vitórias que compõem os Everests pessoais de cada um de nós; e contei que sou a rainha do "depende" e vejo cada vez menos sentido em fazer escolhas tipo "ou isso ou aquilo". Também participei de dois podcasts bem legais: O primeiro foi o episódio inaugural da nova temporada do Descobre a Mochila, que vai abordar diferentes aspectos do "movimento slow". Nele, conversei com minha amiga Carol Ussier e a apresentadora Juliana Nair sobre como a lógica capitalista sequestra nosso tempo e nossas subjetividades e nos trata como máquinas ou produtos descartáveis, e qual a relação disso tudo com viagens. Modéstia à parte, achei a conversa massa! Escute aqui, ou no seu player preferido. O outro é uma boa pra quem busca um papo mais levinho: troquei uma ideia com Cainã Ito, do podcast Mochileiros sem Pauta, e os queridos Babi Cady e Davi "Cabeça pra baixo" sobre receber amigos gringos no Brasil. O que acontece se a estadia se prolonga demais? Como explicar sobre violência e cuidados necessários? O que fazemos questão de mostrar? Escute aqui (ou, de novo, no seu player preferido). Abri as janelas e vi O mundo tá gritando que tá chegando num limite, mas a gente segue fingindo que não é com a gente, né? Não planejei isso, mas todas as indicações dessa newsletter têm a ver com o mesmo assunto. Sabia que há apenas 50 anos, a ditadura militar promovia abertamente o desmatamento da Amazônia como símbolo de desenvolvimento? Essa reportagem da revista Quatro Cinco Um mostra como a derrubada da floresta era glorificada pela imprensa nas décadas de 1970 e 1980, com títulos como "aqui venceremos a floresta", "a luta contra a selva" e "rasgamos o inferno verde". O pior é ver algo muito parecido se repetir hoje em dia, né? "Não está sendo fácil", como diria Kátia. E parece que os jovens estão cientes disso: numa pesquisa internacional feita com pessoas de 16 a 25 anos, 48% dos entrevistados brasileiros disseram que as mudanças climáticas os fazem ficar hesitantes em relação a ter filhos. Essa proporção ficou bem acima da média dos 10 países em que foi feita a pesquisa (39%) e foi o maior percentual registrado entre todos eles. Mais detalhes na matéria da BBC. E além de estarmos destruindo nosso futuro, essa atitude predatória em relação ao meio ambiente prejudica a economia e a imagem do Brasil no exterior, como aponta essa matéria da Revista Gama. Jabá das amigas Por fim, duas recomendações especiais: minha amiga Carol Ussier, professora de dança-terapia, dá oficinas de dança online baseadas nos quatro elementos e também tem um grupo específico pra mulheres que sofreram abuso sexual, chamado Kali. O trabalho dela é muito sério e sensível. Admiro demais essa mulher! E a minha editora maravilhosa Paula Medeiros, criadora da newsletter e clube do livro Chicas e Dicas, lançou um braço de cursos do projeto, que vai começar com quatro encontros sobre literatura russa. Uma ótima oportunidade pra quem ama se sentir viajando enquanto lê. :) Um abraço virtual apertadinho! Luísa | | | | |
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