CW#96 - Resposta aberta para a Lalai PerssonO começo, o fim, a pandemia e a possibilidade de um novo começo.Olá, queridos leitores! Quanto tempo não nos falamos, não? Rompo o silêncio de quase um ano a convite/determinação da minha amiga-sócia Lalai, que vocês devem conhecer tão bem. Ela dedicou a última edição do ano da sua fantástica newsletter ‘Espiral’ a mim em uma carta aberta, que eu tento responder agora. Ali a Lalai revive coisas lindas que passamos juntos, destila uma boa dose de nostalgia, e questiona o destino do Chicken or Pasta, nosso grande projeto de dominação mundial conjunto. Ao mesmo tempo, ela me cutuca para me tirar da inércia e me provoca a voltar a escrever de alguma forma. Será uma possível volta da Chicken Wings com alguma regularidade? Não posso dar nenhuma certeza, porque hoje só consigo trabalhar com possibilidades. Mas pelo menos aproveito esse espaço para desejar a todos um ano iluminado e leve, cheio de viagens. Espero que essa carta chegue para encontrar você como um abraço saudoso de quem ainda tem muito carinho, mesmo com a distância. Feliz 2023! Querida Lalai, Deixo para te responder já nos primeiros dias do ano não sem motivo. Você me escreveu nos últimos dias de 2022 como forma de fechar um ciclo magnífico que você passou com a sua newsletter, com a sua escrita e com você mesma. Eu te conheço bem para reconhecer toda a escalada que foi esse teu processo e me orgulho de ver você lá no alto da montanha. Que lindo de ver! Já eu não tinha ciclos para fechar nessa matéria, pois venho de um processo bem diferente que me afastou de vez da escrita. E se todo fim traz um novo começo, quem sabe não abro esse ano me inspirando em sua jornada para voltar de alguma forma? Preciso arrumar essa mala ainda para poder embarcar com você! (Ainda assim, tem coisa mais ‘procrastinável’ que arrumar mala?) Sua carta me traz uma lembrança vívida de uma foto sua. Devia ser lá por 2007, e você estava com uma casacão pesado de lã preto e uma boina roxa. O fundo era escuro e desfocado, porque estávamos numa época em que Lomo era tendência; viajar o mundo era algo recentemente possível - um tempo bom em que nossa vida era Eu gosto de lembrar dessa época porque acho que tanto eu como você temos duas vidas distintas como viajantes. Nesse começo, viajar tinha um ingrediente de aventura. Nós éramos mais inocentes, e as redes sociais eram ainda rudimentares. A nossa experiência era vivida apenas por e para nós mesmos. E dá-lhe arquivo de texto com as dicas de amigos para saber onde ir e o que fazer. Eu acho que essas listas foram a real pedra fundamental do CoP. Quando começamos o CoP, viajar ganhou uma outra conotação. Nós éramos os provedores dessas listas, agora para um grupo cada vez maior de pessoas, e com isso veio a responsabilidade. Claro, foi uma maravilha viajar com esse intuito de ‘trabalho’, mas o processo todo ganhou uma aura de obrigação. Tem que conhecer isso ou aquilo, tem que registrar, tem que compartilhar. Nossas viagens não eram mais só nossas. Não estou reclamando. Acho que nossa ‘profissionalização’ nos fez abrir muito a cabeça e aproveitar coisas que antes eram inimagináveis. Se me arrependo de algo é de não ter aproveitado tanto essa fase quanto você. Como você mesma disse, eu não consegui me desapegar totalmente de um projeto de vida cheio de nós de segurança que mais parece projetado pelos nossos pais. Você pegou seu passaporte e não olhou para trás, foi rodar o mundo literalmente, sem data para voltar para a rotina. Tenho certeza que muita gente que nos lê te invejou tanto quanto eu. Hoje você se pergunta se viajar tanto assim é o jeito certo de viajar. Será que existe o jeito certo? Talvez seja mais fácil chegar a uma resposta pelo caminho contrário: o que é errado? Eu só tenho um palpite, que é viajar pensando nos outros. Essa loucura que a nossa sociedade entrou de querer postar tudo, compartilhar cada passo, acho que isso sequestra nossa presença no agora. Acho que essa sua vontade de viajar menos para viajar com mais prazer tem a ver com essa batida filosofia de viver o presente, sem se preocupar com eternizar o que ainda nem aconteceu em timelines cada vez mais cacofônicas. Pelo menos foi essa importante lição que levei da pandemia. Aliás, esse é um assunto que não podemos evitar quando pensamos no CoP. A pandemia mudou tudo para nós. Entramos em um hiato forçado, já que nosso foco principal virou assunto morto por um bom tempo. Mesmo com a volta gradual à ‘normalidade’, viajar virou outra coisa, mais complexa e cara. E junto com essas transformações, eu vivi também uma mudança interna que não encaixa no lifestyle que o CoP trazia. No auge da pandemia, minha cabeça perdeu completamente a capacidade de projetar futuros, eu não conseguia enxergar além de uma ou duas semanas do hoje. Com isso, eu também esqueci como se fazia para desejar, para sonhar com as coisas. E o que são nossas viagens se não puro sonho e desejo? Claro que esse foi o momento mais difícil, que agora já está (pelo menos parcialmente) superado. Mas esse processo - e, por que não, esse trauma? - mudou minha forma de pensar talvez para sempre. A inabilidade de pensar o futuro me conectou de forma muito mais intensa com o presente, e pelo menos esse lado bom eu tenho exercitado. É engraçado perceber como você antes ‘fugia de si mesma’ se lançando no mundo tresloucada, enquanto eu fazia isso justamente me prendendo ao projeto de vida casa-família-trabalho, e agora ambos buscamos estar mais conscientes do presente de novo em sentidos opostos. Você quer ir mais devagar, planejar melhor. Eu talvez finalmente encararia deixar tudo em suspensão e sair estrada afora. A verdade é que mudamos tanto que ainda nem sabemos quem nos tornamos. E tudo à nossa volta também mudou. Nossos leitores mudaram, nossa escrita mudou, como é possível que o CoP não mude também? A questão agora é descobrir para onde ou o quê mudar, e como levar isso para as pessoas. Será que existe um caminho possível para nosso projeto nesse novo mundo que descortinamos? Acho que temos muito o que conversar. Quem sabe até por texto! Quem sabe podemos inclusive juntar mais vozes nessa conversa, com nossos colaboradores e nossos leitores. Sinto como se esse fosse um renascimento do nosso querido Chicken or Pasta, e talvez esse respiro de mais de 2 anos que demos tenha sido justamente o que ele precisava para se reinventar. Deixo aqui o convite, para você e para todos que estão à nossa volta. Temos muito que pensar, mas por ora eu só tenho olhos para uma coisa: nossa tão esperada viagem daqui alguns meses. É a primeira vez que eu vou entrar em um avião desde 2019, e quase me sinto agora como uma criança que nunca saiu do seu país! 2023 começou já anunciando grandes mudanças, que elas nos tragam ventos para nos permitir voar de novo! Termino essa edição da Chicken Wings com uma thread da Victoria Tuler no Twitter contando suas desventuras em uma viagem de ônibus pelo Brasil. O que era para ser uma situação bem desagradável - um problema mecânico que atrasou o trajeto em muitas horas - virou uma história muito divertida de união de desconhecidos para contornar as adversidades. Como dizia Clarice, perder-se também é caminho. Comentários, elogios, sugestões, críticas e conversas aleatórias, mande um email para nós: hello@chickenorpasta.com.br Se você gostou da nossa newsletter Chicken Wings, compartilhe com os amigos! |
sexta-feira, 6 de janeiro de 2023
CW#96 - Resposta aberta para a Lalai Persson
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