Hoje o devaneio é sobre cozinhas e senso de comunidade. Pensando só aqui entre a gente: faz sentido todo mundo que mora no mesmo prédio ter seu próprio fogão, geladeira, máquina de lavar roupas, microondas e máquina de lavar louça? Faz sentido todo mundo ter um conjunto completo de panelas? É racional e ecologicamente inteligente pessoas morando tão perto terem uma cozinha inteira somente sua? Tipo, se você mora em um prédio e nesse prédio existem 30 apartamentos, é bem provável que existam 30 exemplares de cada uma dessas coisas que listei acima em poucos metros quadrados. Eu sei que é prático cada pessoa ter sua própria cozinha e tal, mas seria muito mais sustentável uma cozinha comunitária. Um fogão ou uma geladeira não são materiais fáceis de serem feitos. São formados por centenas de peças que não dão em árvores. Diariamente produzimos bilhões de peças para montar milhões de eletrodomésticos. Agora imagine se todos os prédios do mundo seguissem a lógica de espaços compartilhados? Uma cozinha para todos os condôminos, que se auto-organizariam para cuidar dela e utilizariam da forma mais eficiente e benéfica para todo mundo. Não que a pessoa não possa ter um microondas em casa, uma pia, seus talheres e algumas louças, mas a cozinha real dela seria essa compartilhada, em algum local do prédio próprio para isso e com acesso a todos os moradores. Quantos fogões deixariam de ser fabricados? Na soma total, quantos eletrodomésticos que estamos produzindo nesse exato momento não precisariam existir? Não é difícil construir um prédio com cozinha comunitária. Isso já foi feito várias vezes. Vários prédios compartilham sala de ginástica, lavanderia, salão de festas. Prédios no formato coliving estão na moda e surgindo aos montes nas grandes cidades. O que é difícil sim, ao meu ver, é mudar a mentalidade não-comunitária das pessoas. Em algum momento da sociedade foi decidido que o legal era cada pessoa ter tudo que precisava. E como realmente ficou fácil termos tudo que precisávamos, a gente acabou tendo. O fogão chega prontinho e dá para pagá-lo em várias vezes. Logo, assim que é acessível ter algo, ter passa a ser a norma, pois a outra opção a ter é péssima: pedir para alguém/pegar emprestado/compartilhar o uso. Compartilhar as coisas com desconhecidos dá um medo, né? E preguiça. Imagina um prédio inteiro ter, sei lá, 5 geladeiras (ou mais dependendo do número de apartamentos)? Como organizar tudo? Alguém certamente vai pegar alguma comida minha se eu deixar lá. Alguém vai esquecer algo por um bom tempo e vai ficar cheiro ruim. Que treta. Há uns 10 anos atrás, a economia do compartilhamento chegou para quebrar com paradigmas, mas sinceramente eu acho que não mudou nada. Ou muito pouco. O discurso "você não precisa de uma furadeira, você precisa de um furo" era muito bom, mas não vi ele se transformar em prática no dia a dia. Lembro do Tem Açúcar (que para minha surpresa ainda existe), um aplicativo para pessoas se emprestarem coisas. Utilizei ele umas 3 vezes e funcionou tranquilamente. Mas é aquela coisa: preciso de algo > tem que pedir > ver se alguém tem > encontrar a pessoa > depois devolver > etc. É muito mais fácil ter a coisa que você precisa para poder usar quando você bem entender. É por isso que a economia do compartilhamento, para funcionar, precisaria de uma mudança drástica na forma como as pessoas agem. Uma cozinha comunitária (ou qualquer sistema baseado no compartilhamento) sofre muito para alavancar porque nós não fomos ensinados a compartilhar. Nos foi ensinado a ter as nossas coisas justamente para não precisar ter que brigar com outra pessoa por essa mesma coisa. Acho massa que a tecnologia avançou a ponto de todo mundo poder ter um fogão e esquentar sua comida a qualquer hora do dia sem precisar ir em busca de fogo, mas não acho legal essa adoração que a sociedade dá à posse ilimitada. Um mundo mais sustentável passa por termos menos coisas e abrirmos mão de alguns confortos. Não imagino um mundo sem fogões ou geladeiras, mas acho super viável essas coisas ainda existirem em uma configuração diferente. E é aí que entra a necessidade de sabermos nos comportar como uma espécie realmente colaborativa. Se tivéssemos experimentado mais a colaboração e o compartilhamento desde a pré-escola, essa mudança seria bem fácil (e talvez nem seria necessária, pois não estaríamos na merda que estamos hoje). Não é só colocar uma cozinha comunitária e deixar que as pessoas se resolvam. A gente tem que aprender a usar ela em grupo. Se o espaço é comunitário, talvez a gente tenha que limpar o fogão depois de usar, ou aceitar que vamos cozinhar junto de um vizinho que também está cozinhando e teremos que ter uma conversa com ele. Falando assim parece aqueles memes sobre problemas do primeiro mundo, mas na prática seria realmente problemático. Quem já trabalhou em um lugar com uma geladeira compartilhada sabe do que estou falando. É caos e briga em cada centímetro quadrado de prateleira. Semana passada, um pedaço de gelo do tamanho da cidade do Rio de Janeiro se desprendeu de uma região da Antártica, considerada por cientistas, pouco vulnerável a desprendimentos de gelo. Isso é só mais um dos milhares de alertas que o planeta vem dando para que a gente se toque que nossas ações geram impacto (e estão impactando negativamente). A Terra não está nem aí que a gente não gosta dos nossos vizinhos ou que gosta do conforto de poder abrir a geladeira de madrugada de pijama, ela só quer que a gente impacte menos. E para impactar menos, algumas mudanças terão que ser realizadas. É impossível que a gente vença esse desafio do aquecimento global sem uma mudança em pelo menos um de nossos comportamentos. Seja uma cozinha comunitária, seja não usar mais carros individuais, seja qualquer outra coisa que venha na cabeça de vocês, a gente vai precisar aprender a viver mais em comunidade. Desde que não mexam no pote que tem meu nome, pois esse é meu almoço de amanhã e eu botei o adesivo com meu nome justamente para ninguém mexer, acredito que a gente tem tudo para fazer dar certo. |
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