"Uma mulher te conta que foi estuprada. E dizemos que ela 'teria sido estuprada'. Não nos cabe julgar quem estuprou nem decidir se ela está falando a verdade. Mas escrever que 'teria sido' é deslegitimar a fala de uma mulher" Patrícia Zaidan, jornalista, no Manual Universa para Jornalistas No Dia Internacional do Combate à Violência contra a Mulher, na última quinta (25), Universa lançou o Manual Universa para Jornalistas - Boas práticas na cobertura da violência contra a mulher. Aqui, na redação, lidamos diariamente com as notícias sobre violência de gênero —que, neste ano de pandemia, registrou alta, especialmente em crimes de violência doméstica. Em Universa, noticiamos esses crimes pautadas pelas condutas do bom jornalismo, mas também estarrecidas e sensibilizadas. Muitas mulheres têm dificuldades para reconhecer que vivem uma situação abusiva ou identificar no parceiro um agressor. Construímos esse manual por acreditar que, além de informar, podemos transformar a sociedade brasileira, que essa cobertura também tem a capacidade de auxiliar no combate e prevenção a essas violências e que um jornalismo mais preparado pode desconstruir estereótipos e ainda influenciar positivamente a condução de processos penais. Nele, reunimos uma série de diretrizes para que jornalistas não caiam nas armadilhas de estereótipos sexistas que transformam mulheres agredidas em rés. Para que nossas reportagens encorajem vítimas a buscar justiça e que elas não tenham que implorar por respeito nos tribunais. Se você, leitora da nossa newsletter, é jornalista, esperamos que a nossa cartilha se transforme em material de consulta permanente para a apuração de reportagens, edição de textos, escolhas de títulos e de chamadas. Se o jornalismo não é a sua área, ainda assim te mostramos aqui como a cartilha pode ser útil para qualquer pessoa refletir sobre como abordamos a violência contra a mulher. 1. A culpa nunca é da vítima. Na hora em que contam a história de uma mulher que sofreu violência, muitas pessoas tendem a colocar a culpa na vítima. Dizer que a vítima de estupro "publicava muitas fotos em baladas" não tem relevância para a reportagem (ou para a história que você está contando) e ajuda a construir um estereótipo de mulher "moralmente condenável". Esse é o erro mais comum na cobertura de gênero e trabalha contra a emancipação das mulheres. 2. Não justifique o agressor. É fundamental ouvir a defesa do acusado, claro. Mas fique atenta a falas machistas que, descontextualizadas, possam culpabilizar a vítima. A principal causa dos crimes de violência contra as mulheres é a naturalização da desigualdade entre os gêneros, que leva o agressor a se sentir no direito de possuir, controlar e 'disciplinar' a companheira ou a ex-companheira. Ciúme, cabeça quente, paixão, nada disso é motivo que justifique espancamentos ou assassinatos. 3. Denunciar é difícil. Pra quem está de fora, pode parecer simples. Mas não é fácil denunciar uma situação de violência e esse nem sempre é um objetivo. A mulher mantém uma relação de afeto com o agressor, teme pelos filhos, muitas vezes sofre ameaças de morte. É preciso muito cuidado para não julgar essas mulheres. 4. Não era amor. Nosso primeiro pensamento pode ser o de ver uma história de violência doméstica como uma história de amor malsucedida. Mas crimes de violência de gênero não devem ser associados a sentimentos nobres e positivos. Não há pesar pela história do casal, somente pelo sofrimento da vítima. 5. Precisamos falar sobre consentimento. O tema volta sempre à tona quando alguém é acusado de estupro e alega que o ato foi consentido. Então, vale sempre lembrar: em casos de crimes sexuais, o consentimento só é válido quando expresso explicitamente. A ausência de "não" não é sinônimo de "sim". É importante lembrar também que o não consentimento pode ser dado a qualquer momento. Uma mulher pode já estar na cama, despida, e não querer fazer sexo. Uma esposa pode se negar a fazer sexo com o marido. A violação de qualquer uma dessas vontades é considerada estupro. Se o conteúdo do nosso manual foi útil pra você, ajude a gente a passá-lo adiante para que as histórias das mulheres vítimas de violência sejam contadas com empatia e dignidade.
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