Ozark é uma série que mostra a vida de uma família americana que é obrigada a lavar dinheiro para um cartel de drogas mexicano em troca de suas vidas. Pra quem não a viu, podem relaxar que isso não é spoiler, é a própria descrição da série no Netflix. Prometo não falar mais nenhum detalhe dela para não estragar a experiência de ninguém, mas gostaria sim de apontar uma característica da série e que pela descrição certamente não pegará ninguém de surpresa: a violência. Se você já viu Ozark certamente sabe do que estou falando. É uma série bem violenta. Comparo ela muito com Breaking Bad, onde também pessoas comuns entram numa escalada de violência em busca de sobrevivência. Mesmo assim, as aventuras de Walter White parecem muito mais fantasiosas e distantes da nossa realidade. O universo da luta entre traficantes e o mercado da droga são coisas extremamente fora da rotina da maioria das pessoas. Em Ozark, não. O foco não é tanto na vida do cartel e na guerra pelo domínio do mercado de drogas, e sim no dia a dia dessa família que precisa manter as aparências enquanto trabalham para uma organização criminosa poderosíssima. Embora eu também não seja nada próximo do estilo de vida de alguém que lava dinheiro, a série tem momentos muito mais relacionáveis do que a história de Breaking Bad. Dentro desses momentos, você encontra diversos tipos de violência física e mental. Alguns episódios são tão pesados que pela primeira vez vendo uma série ou filme eu me questionei: "por que eu estou vendo algo assim?" Eu entendo o papel que filmes de ação, aventura, suspense, terror e dramas possuem na nossa vida. Somos uma espécie que há pouquíssimo tempo caçava animais, fugia de predadores, guerreava com outras tribos. A adrenalina e a emoção de eventos assim ainda se fazem necessários dentro do nosso cérebro mais primitivo, e são nessas obras televisivas que encontramos nossas doses de aventura que a vida domesticada não nos proporciona. Antes que alguém me entenda errado, eu não estou defendendo aqui a volta à barbárie. Não quero voltar a caçar animais, só estou apontando um fato: ainda precisamos desse tipo de estímulo e, graças à Jah, temos filmes, séries e videogames para nos satisfazer. Logo, eu sei por que a gente assiste a esse tipo de entretenimento. E acho que tá tudo bem. Mas não consigo não me questionar sobre o que vem com o pacote inteiro. Será que tá certo? Será que faz bem? Tipo, precisava ser tão violento assim? Será que estamos perdendo a capacidade de nos chocar e emocionar que as séries estão cada vez mais passando o limite que antes não era ultrapassado? Quando foi a última vez que vocês viram um filme ou série que não tivesse uma arma ou uma morte por violência em algum momento? Enfim, perguntas que não tenho a resposta e que servem mais para fazer pensar do que para serem respondidas. Eu assisti à Sopranos, Black Mirror, Breaking Bad, zilhões de filmes violentíssimos, e isso nunca tinha me chamado a atenção, mas talvez nessa fase da vida eu esteja ficando mais atento e preocupado. A newsletter que falava da minha saída do Twitter e redes sociais era, de alguma forma, endereçada à essa questão também. Tenho pensado muito sobre o impacto daquilo que consumimos na forma como pensamos e moldamos nossas estruturas mentais. O que a gente tem feito com nosso cérebro? Como vocês têm tratado ele? O cérebro é o órgão mais importante do corpo todo e sinto que não o tratamos com a devida magnitude, colocando ele constantemente em contato com situações que podem deixar marcas no longo prazo. A neuroplasticidade tá aí para comprovar que ele é suscetível a estímulos externos e pode se moldar quando sujeito a algumas experiências. Eu costumava jogar Battlefield no meu tempo livre, um jogo que você se conecta online a um cenário e precisa matar outros jogadores para sobreviver e vencer as partidas, tudo dentro da temática da Segunda Guerra Mundial. O jogo é tão bem feito que em alguns momentos eu me percebia totalmente imerso dentro da guerra, lutando pela minha vida contra exércitos japoneses em alguma ilha do Pacífico. Tensão, medo, adrenalina, tudo isso me tirava da realidade e me colocava em um ambiente que eu jamais estive minimamente perto. Daí a partida acabava, eu ia pra cozinha preparar uma massa ao som de Tim Bernardes. Não há descompressão, não há transição de um estado de extrema vigilância para um estado de relaxamento. Há simplesmente o sair da sala e ir pra cozinha, e a guerra fica pra trás. Quem lutou uma guerra não teve teve esse privilégio. Tu saía da linha de frente para encontrar companheiros mortos ou machucados e se preparava para recomeçar a luta no outro dia. Muita gente tentou voltar pra vida normal depois da guerra e não conseguiu, tamanha eram as feridas psicológicas. Obviamente não vivo no jogo o mesmo que a guerra real, mas minha mente não deixa de ser afetada. Quão afetada? Não sei. Mas depois de refletir sobre isso uns dias decidi tirar o CD do videogame e nunca mais jogar o jogo kkkkk Como falei ali em cima, não tenho respostas. Não sei o que séries violentas e jogos de videogame fazem com a nossa cabeça, mas em uma época em que a meditação está em alta porque nossas mentes estão transbordando de informações, me faz sentido dar um pouquinho mais de atenção para os nossos queridos cérebros também em aspectos que são tão corriqueiros que passam longe de questionamentos, como o simples fato de ver televisão. Acho que vou continuar vendo Ozark, mas não como uma série qualquer que se assiste enquanto almoço no intervalo do trabalho, e sim criando o ambiente apropriado, curtindo a série com moderação e entendendo que ela tem um poder próprio. Nosso cérebro nos trouxe até aqui e faz tanto por nós, ele merece um pouquinho de carinho, né? Espero que gostem dos links. - TEDTalk antiga, mas muito inspiradora: o jardineiro que usa espaços ociosos da cidade para plantar orgânicos <3 - Os desafios da Floresta Amazônica pelo ponto de vista de um arqueólogo brasileiro. - Vocês sabiam que o cérebro distorce fatos à nossa volta para fazê-los caber dentro das nossas crenças? - A conferência nacional do partido republicano me deu uma desesperança com relação ao futuro do planeta... - Vivemos em um mundo que ignora os efeitos do longo prazo em troca do sucesso no curto prazo, o que nos coloca nesse exato momento à beira de uma cataclisma climático e social. Talvez seja hora agirmos pensando em como ser bons ancestrais. - Pra quem se interessa pelo mercado publicitário: uma conversa interessante sobre como as agências estão se comportando perante às exigências de uma sociedade em transformação. - Na fantástica HQ chamada Asterios Polyp, uma cartomante, em conversa com o personagem principal, fala sobre um estudo onde ostras conseguiam determinar a fase da Lua mesmo em um ambiente desprovido de qualquer informação exterior. Passei anos tentando encontrar esse estudo e finalmente o achei, e ele explica como o magnetismo da Terra influencia os seres vivos. Obrigado, Wired. Querem uma série levezinha e extremamente bem feita para dar um alívio no cérebro? Recomendo The Marvelous Mrs. Maisel, da Amazon Prime ;) <3 |