A imagem do empresário Amaral Gurgel apresentando seu Gurgel Itaipu, um carro elétrico, no programa de Silvio Santos circulou pelas redes sociais e despertou um sentimento muito conhecido de brasileiros nesta semana. Se tem uma tradição que cultivamos firmemente no Brasil é a arte de perder oportunidades — quando o assunto e inovação em ciência e tecnologia, então, nem se fala. Acontece que a foto era de 1974, ano em que Elon Musk, execuivo-chefe da empresa que fez dos veículos elétricos um negócio sedutor, só tinha três anos. O que rolou?A quantidade de Gurgel Itaipu circulando pelas ruas em 2019 dá o tom da chance que perdemos, já que um Model S, da Tesla, é cobiçado pelos amantes do volante. Só que o criador de meme foi além nos requintes de crueldade: em 1974, Microsoft e Apple não existiam e a Nasa conduzia a Apolo. O meme é tragicômico, mas a semana que passou trouxe novas evidências de como continuamos ótimos em marcar golaços contra nosso futuro, porque: - Não investir em um programa de satélites limitou as ferramentas que o poder público teria à disposição para detectar uma mancha de óleo gigante no nosso litoral. Por falta de grana...
- O Brasil abandonou o projeto Sabiá-Mar, firmado com a Argentina em 2014 é que iria justamente lançar dois satélites para vistoriar nossa costa marítima. Trazendo nossa tradição para o chão, vemos que...
- A nova trincheira em que a internet brasuca se encontra é jurídica, porque um tribunal ignorou o Marco Civil da Internet, que é considerado a Constituição da internet brasileira. Isso foi parar no STF porque?
- O Facebook quis assegurar a constitucionalidade do dispositivo da lei que impede plataformas conectadas de serem responsabilizadas civilmente por conteúdo produzido por outras pessoas -- isso só acontece se elas se recusarem a cumprir uma decisão da Justiça pela remoção do conteúdo. Enquanto vemos uma legislação elogiada no mundo sendo revista?
- O processo de deliberação do leilão do 5G na Anatel se arrasta há meses, porque um conselheiro está refletindo sobre seu voto. Com isso?
- As frequências para a quinta geração da tecnologia móvel só devem ser vendidas no fim do ano que vem, o que faz analistas preverem que o 5G só desembarque por aqui entre 2021 e 2022 -- na pior das hipóteses, três anos depois de China e EUA.
Por que é importante?Não ter uma satélite para vigiar a orla pode ter custado ao Brasil tempo precioso para combater o avanço do óleo. Depois de ter beijado todo o litoral do Nordeste, a mancha agora lambe as praias do Rio de Janeiro. Essa é talvez a consequência mais notável hoje —pode, inclusive, ser vista a olho nu— do nosso histórico de trilhar pelo caminho errado. No caso do 5G, porém, as decisões tomadas agora só cobrarão a conta em alguns anos. E aí será tarde demais. "Ninguém ganha se ficar para trás. Não tem nada de positivo para o Brasil ou outro país se atrasar a adoção do 5G", disse-me Cristiano Amon, o brasileiro que é presidente da Qualcomm. Para ele, os EUA só abrigam empresas do porte de Facebook, Uber e Instagram por ter implantado o 4G anos antes da Europa. A China aprendeu a lição e já largou na frente, sendo uma das mais adiantadas na adoção da nova tecnologia. Não é bem assim, mas está quase láNão seria maldade comparar que o nosso grau de inovação é mais ou menos o que separa a picape Cybertruck, da Tesla, do Gurgel Itaipu. Os dois até são parecidinhos em sua ausência de curvas e seus traços quadrados, mas o novo carro da empresa de Musk ousa pela tecnologia e por ir na contramão da indústria à sua maneira. Já o carro elétrico brasileiro é uma ode a um futuro que acabou não sendo. Se nos anos 1970 o jogo era uma partida de pega-pega basicamente com os EUA, hoje a brincadeira possui novos participantes. E, mantendo a tradição, estamos ficando para trás também daqueles que acabaram de chegar. Naquela década, vivíamos o milagre econômico, enquanto a China era basicamente rural. Em 2019, o país deve terminar o ano com 100 milhões de usuários no 5G. Ainda que não saibamos o que é isso por aqui, a Qualcomm já está trabalhando no 6G. Ou seja, está no horizonte uma nova oportunidade para continuarmos disputando parados uma corrida em que os outros competidores não entram senão dirigindo os últimos modelos da Tesla. |
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