A série de sabatinas UOL/Folha com os pré-candidatos aos governos dos estados ajudam a explicar as dificuldades eleitorais de Jair Bolsonaro e indicam uma espécie de "isolamento político branco" ou "velado" do presidente da República nos grandes colégios eleitorais estaduais. Mais importante ainda: as entrevistas mostram que as ameaças à democracia e os ataques ao sistema eleitoral brasileiro, ao menos por ora, não têm aderência entre a classe política. Mesmo quem disse se alinhar eleitoralmente com o presidente evitou confrontar abertamente as instituições e sempre procurou minimizar as ameaças de Bolsonaro. No linguajar popular, é possível dizer que os bolsonaristas, antes de tudo, tentaram "passar um pano" para o presidente, como fez o ex-ministro dele João Roma Neto (Republicanos), pré-candidato ao governo da Bahia. Segundo ele, é possível "aprimorar" o sistema eleitoral. Na visão açucarada de Roma, todas as trombadas do ex-chefe com o Supremo só ocorreram porque ele é um defensor "intransigente" da liberdade e contra o "ativismo judicial". Em linhas gerais, após uma análise do conjunto de entrevistas, é possível dizer ainda que, até agora, o discurso eleitoral dos nomes colocados pela direita do espectro político apresenta tendências para posições conservadoras de centro, sendo que a tônica dominante é contrária ao extremismo de Bolsonaro em questões como a vacina contra a covid-19 e a liberação indiscriminada do acesso às armas para a população, por exemplo. Nas questões relativas à economia e o papel do estado, ganham força, em consonância com o que mostra o Instituto Datafolha, a defesa da proteção social e outras bandeiras da esquerda. Assim, mesmo os pré-candidatos que apoiam o presidente procuram manter distância regulamentar das ideias dele. O caso mais emblemático ainda é o de Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos). O ex-ministro de Bolsonaro, na disputa pelo governo de São Paulo, disse: "Eu discordava por exemplo de uma determinada posição com relação à vacina. Eu me vacinei, vacinei minha família e achava que estava fazendo a coisa certa". Tarcísio Gomes de Freitas também tem procurado manter um discurso de crença nas instituições. Em Minas Gerais, Carlos Vianna (PL), apoiado por Bolsonaro, foi na mesma linha em relação à imunização dos brasileiros: "O discurso contra as vacinas é um discurso vencido. Essa é uma página que tem que ser virada no país. As vacinas vieram e resolveram o problema. Quem discursa contra as vacinas precisa olhar os números. Isso vale também para o presidente e ele sabe disso." Ratinho Júnior (PSL), governador do Paraná e candidato à reeleição, apoiador de Bolsonaro, foi outro que explicitou suas divergências com o presidente e disse confiar na ciência. No Rio de Janeiro, Cláudio Castro, do mesmo PL de Bolsonaro, afirmou não ver risco para as eleições nas urnas eletrônicas: "A questão da urna eletrônica, eu mesmo fui candidato, e já perdi, venci, nunca questionei a urna". Só para ficar em alguns exemplos. Nesta semana, o UOL e a Folha realizam as sabatinas para o governo de Pernambuco. Vale prestar a atenção nas posições de Anderson Ferreira (PL). Ele foi prefeito de Jaboatão dos Guararapes (PE) e tem defendido a atuação de sua administração no combate à pandemia. Em termos políticos, esse alinhamento seletivo e a distância regulamentar que esses pré-candidatos procuram manter do presidente são um fenômeno provocado pela altíssima rejeição de Bolsonaro, especialmente entre as mulheres e os mais pobres, como comprova a mais recente pesquisa eleitoral do Datafolha. Nesse sentido, há um outro complicador para Bolsonaro neste primeiro turno: pré-candidatos aos governos estaduais de centro e centro-direita que não possuem um nome forte na disputa presidencial tendem a flertar também com os eleitores do PT de Lula, como já estão fazendo as pré-campanhas de ACM Neto (União Brasil-BA) e Rodrigo Garcia (PSDB-SP). Outra questão que se coloca é: até onde e até quando esses pré-candidatos estarão dispostos a "passar pano" para Bolsonaro? Se o presidente continuar enfrentando dificuldades nas pesquisas e ele próprio não começar a modular o seu discurso, é provável que ao longo da caminhada eleitoral esses apoios comecem a minguar sistematicamente ou permaneçam sem abraçar as causas mais caras ao conjunto de ideias do bolsonarismo: o negacionismo e o discurso golpista, ampliando o isolamento dessa corrente que tem o ex-capitão do Exército como líder supremo. Portanto, em uma campanha que pode ser definida no primeiro turno, como indica o Agregador de Pesquisas do UOL, o jogo nos principais colégios eleitorais está desfavorável ao presidente. Claro, se houver segundo turno, um novo alinhamento, sujeito apenas às circunstâncias regionais, pode se impor: estará com Bolsonaro quem tem o PT de Lula como grande adversário. Até lá e com o que se observa até aqui, porém, Bolsonaro ainda permanece como o representante do mesmo grupo radical que o impulsou em 2018, quando ele conseguiu ampliar seus apoios na classe média, ancorado no antipetismo, para vencer em segundo turno. Após quase quatro anos de mandato, o atual presidente não quis e nem conseguiu fidelizar novos grupos de eleitores. Agora, faltando quatro meses para as eleições, pode ser tarde para qualquer movimento nesse sentido. A menos que o verdadeiro de interesse de Jair Bolsonaro seja apenas manter os radicais unidos para tentar tumultuar o processo eleitoral e dificultar a posse de um adversário. Até nesse caso, se os governadores eleitos forem fiéis ao quem estão dizendo nas sabatinas, a democracia deverá estar salvaguardada. A ver. |
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