Vazamentos de dados, áudios, opiniões, fotos, nudez, vídeos... tudo aquilo que é privado, principalmente em meios digitais, pode se tornar público em um piscar de olhos. Dessa forma, um comentário implacável sobre um desafeto feito no WhatsApp para um pequeno grupo de amigos pode, de repente, aparecer a todos nas redes sociais. Nessa perspectiva, o psicanalista e colunista de Tilt, Christian Dunker, nos alerta: tenha cuidado com a forma como você xinga os outros. Provavelmente ela é a maneira como você está confessando a sua verdade íntima mais obscena. O que rolou O deputado estadual de São Paulo Arthur do Val compreendeu o que Dunker quis dizer, de uma maneira bem dolorosa, nesta semana. Conhecido como Mamãe Falei, o comentário sexista do parlamentar sobre as mulheres ucranianas na guerra, que era para ficar restrito a um grupo privado, se tornou público. Dunker lembra que Mamãe Falei tornou-se ainda mais conhecido quando declarou que o padre Júlio Lancellotti era um "cafetão da miséria", incitando pessoas a atacar as obras de caridade do sacerdote. Por fim, ao comentar sobre as mulheres ucranianas, para quem ele estava mobilizado em uma causa de caridade, o parlamentar se transformou em seu próprio "cafetão da miséria". O psicanalista afirma que a linguagem digital acelerou o fim de uma cultura em que os traços do espaço público estão completamente separados das manifestações de nossas vidas privadas. Hoje, há uma sobrevalorização da escrita em relação à oralidade e à voz, explica. Segundo Dunker, a fala é prisioneira de sua própria natureza efêmera. As coisas que dizemos são rapidamente esquecidas porque são ditas em diálogo caloroso, as intenções e explicações tornam-se misteriosas e opacas quando atingem o nível da escrita. A escrita é uma ferramenta para a memória e, como as gravações, elas existem para sempre. Todo aquele acusado por um áudio vazado apelará para o contexto e circunstância do que estava sendo dito. E mesmo tendo razão será criticado impiedosamente, diz Dunker. A palavra falada ou cantada inclui tom de voz, prosódia e inserção no fluxo mais extenso da conversa, tudo isso fica esquecido e perdido por trás do que se entende do escrito. O vazamento passou a ser uma prática cotidiana de produção da verdade. Casais assediam o celular alheio em busca da verdade faltante de suas vidas íntimas, adolescentes vazam nudes vingativos e pessoas são extorquidas diariamente por meio de aplicativos de relacionamento, usados com fins de golpe, analisa Dunker. Para o psicanalista, o vazamento é uma prática imperdoável. Ele só se justifica pela denúncia de um fato político que não pode ser dito por outros meios, ou seja, em situação de controle do espaço público ou de uso opressivo do espaço privado. "Ainda assim, o machismo é um sintoma social que só poderá ser vencido quando aprendermos que o silêncio dos oprimidos em suas próprias casas deve ser suspenso junto com a dupla moral, da casa e da rua, da santa e da prostituta, que faz do clube dos homens o clube da boçalidade", escreve Dunker. |
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